domingo, 3 de junho de 2012

Seminário 3 - Aparecida do Norte


1959 a 1961 – Seminário Central de Filosofia de Aparecida do Norte. 3 anos de Filosofia. Foi o seminário mais interessante. Começo com pequenas lembranças, sem ordem cronológica. No final, uma análise mais crítica.
Luiz Carlos Daólio.

O Pe. Tinoco e a “mola da vida”

Estávamos almoçando. Era uma discussão sobre algum assunto talvez referente ao sentido da vida, ou sobre o que motiva as pessoas, sei lá. A certa altura o Tinoco, com certo sorriso safadinho, pontificou de forma lapidar e definitiva: “A mola propulsora da vida está um palmo abaixo do umbigo”.

Comer gato por lebre

Havia uma criação de lebres muito produtiva. De vez em quando matavam uma boa quantidade delas e serviam num almoço. Certo dia eu ouvi um cochicho de que iriam matar um gato (depois de limpo é parecido com lebre) e iriam pedir para as irmãs que o preparassem e arrumariam uma desculpa para as irmãs não desconfiarem. E eu fiquei de olho. Logo que uma irmã apareceu com uma travessa com a suposta lebre, levantei rapidamente, peguei uma coxinha para mim e comi. A carne nada devia à carne de uma lebre. Foi a única vez que experimentei essa iguaria. (Depois disso enguli muitos sapos. Figuradamente, claro).

O chá gelado no café da tarde

Até hoje sinto o gosto do preciso líquido descendo pela goela. Acontece que serviam um chá à tarde, após a gente praticar esporte. Um belo dia algum colega bastante suado pediu às irmãs um pouco de gelo. Ah, por que. Todo mundo começou a pedir gelo. Mas era muito bom. Depois de jogar bola, tomar banho, um chá gelado descia como uma bênção para o estômago. Mas a brincadeira não durou muito e as irmãs logo pararam de fornecer gelo.

O assalto ao acampamento dos Escoteiros

Com certeza o Claudinê Pessoto foi um dos organizadores. Quase toda quinta-feira nós saíamos em turmas para algum lugar, para nadar, fumar escondido, beber algum vinho barato, etc. e tal. Havia um grupo que estudava e levava com seriedade o Escotismo, liderado pelo José Cláudio. Saiam para acampar mesmo. Numa certa vez pediram autorização para fazer acampamento durante a noite de quarta para quinta. As irmãs prepararam panelas cheias de comida e eles foram acampar. Mas eis que eu comecei a ouvir uns buchichos de que iriam assaltar o acampamento dos escoteiros. Dito e feito. Foram de madrugada e roubaram toda a comida do acampamento. Foi uma vergonha total para os escoteiros que não conseguiram vigiar corretamente.

Uma bicuda certeira num rato

No dormitório. Preparando para deitar. Um alvoroço. Gente correndo numa direção. Batidas e pancadas. Vozerio. Um rato. Eu, meio lerdo como sempre, fui dar uma olhada no que estava acontecendo e eis que o rato vem correndo na minha direção. Não titubeei. Dei-lhe uma bicuda tão certeira que ele morreu na hora.

As eleições e a quadra de basquete

Campanha para prefeito. Os padres convidaram os candidatos a falar sobre sues projetos quando eleitos. As famosas promessas eleitorais. Nós constituíamos um eleitorado respeitável. Todos nós transferimos nossos títulos de eleitor para Aparecida. Imaginem o peso de 150 eleitores numa cidade pequena como Aparecida. Foi lá que votei uma única e última vez num certo Jânio Quadros para Presidente. Pois bem, fizemos um acordo com um dos candidatos que, se ele fornecesse todo o material necessário para fazer uma quadra de basquete, nós construiríamos a quadra, orientados pelo pedreiro da casa (seu Waldemar?). E foi o que aconteceu. Ele comprou nossos votos com areia, cimento, cal, brita, etc. E na apuração dos votos a Rádio Aparecida: “Votos da urna do Seminário, tantos votos para tal candidato”. Pois, ao transferirmos os votos juntos, nós ficamos praticamente numa urna só. (Que atire a primeira pedra quem nunca foi subornado)

Sessões de cinema, na cidade, só para nós 

Quando o Pe. Expedito, Ministro de Disciplina, aparecia no refeitório, pedia silêncio, esfregava as mãos de satisfação e apresentava um sorriso maroto, lá vinha a boa notícia: “Está passando um filme bom na cidade e nós podemos ir assistir hoje à tarde”. Beleza. O cinema local abria suas portas para sessões especiais só para nós.
(Cá entre nós: eu comecei a fazer parte do grupo de cinema; porém, nosso grupo, comandado pelo Ernani, de Sorocaba, não tinha nenhuma condição de programar filmes. Era obra do Pe. Expedito. Nossa atividade era fazer um jornal mural com artigos sobre cinema, estudar cinema, falar de filmes que estavam chegando ao Brasil, orientações da igreja sobre o cinema. No terceiro ano eu comandei o grupo e organizei um bom arquivo. Fabriquei até slides com pedaços de filmes que conseguia no cinema da cidade. Usei esses slides para dar palestras sobre cinema e mostrar algumas técnicas de filmagem tais como “plano americano”,”plongée”, por exemplo. Alguns colegas se lembram de um cursinho que dei no Seminário de Campinas). 

Um passeio memorável


Dei na idéia de organizar um passeio até o Parque Nacional de Itatiaia. Convidei várias pessoas. De pé, esquerda para direita: Zé Bento, ?, Sigmar Malvezzi, “Dito Furado”, (Pe.) José Boteon, Eu, (Pe.) José Júlio. Agachados: Claudinê Pessoto, Faur, Décio Maróstica, ?, ?, Mauro. O Celso Ming também estava, foi ele que tirou a foto. Alugamos um micro-ônibus bem precário. Durante a viagem a gente não podia brincar nem se deslocar porque o micro-ônibus começava a dançar, como se estivesse com os pneus trazeiros murchos. É que, ao invés de 4 pneus trazeiros, o micro-ônibus só tinha 2. E quase que um guarda acaba com nossa festa e o motorista teve que dar uma „laranja‟ pra seguir viagem. O passeio foi um sucesso.

Um ex-futuro campeão olímpico



 Havia olimpíadas. Disputa entre as 3 classes. Várias categorias. Corridas rápidas, corrida longa, saltos de altura, salto triplo, salto com vara. Minha participação foi no salto em altura e no salto à distância. Desempenho: sofrível. Eis o ex-futuro campeão saltando utilizando sua técnica especial de barriga para baixo. Mas o joelho dobrado me prejudicava. Não conseguia corrigir.

Levamos um vareio de bola

Uma idéia ruim dentro de uma idéia boa. O seminário todo foi visitar a Escola de Especialistas da Aeronáutica de Guaratinguetá. Até aí tudo bem, uma visita interessante. Porém alguém teve a idéia de melhorar o congraçamento por meio do esporte. “Vamos disputar no futebol e no basquete”. No futebol nós tínhamos alguns craques internos: Barizon, por exemplo. Mas nosso campo era de pequenas dimensões. E aí caímos num campo de tamanho oficial e corremos atrás da bola. Os caras fisicamente eram bem superiores a nós. Um baile. No basquete, então, piorou. Fiz parte do nosso time. Fomos batidos inapelavelmente. Nem sei se conseguimos marcar algum ponto. Vexame total.

Fuzaro (Tilim) e eu: sucesso no show-business 

Não sei quem teve a idéia de realizar um espetáculo para o público de Aparecida do Norte. Num salão da Rádio Aparecida, acho. O organizador do José Cláudio, de Lins, sempre cheio de idéias. Entre as atrações, Fuzaro e eu resolvemos contribuir com uma dublagem. Escolhemos uma música do Trio Los Panchos, ou do Trio Irakitan talvez. Eu imitava tocar violão e „cantar‟. O Fuzaro acho que só „cantava‟. Executamos o combinado. Fracos aplausos. Nem sei se conseguimos tapear o auditório. O bom dessa história é que consegui entrar na discoteca da Rádio Aparecida e pedir para selecionar uma música para dublar. Deixaram que eu levasse o LP para ensaiar e tocar no dia da apresentação. Aí consegui passe livre na discoteca da Rádio Aparecida. Ia lá, pegava discos e levava para a gente ouvir na sala de músicas do seminário. Minha maior lembrança é de um disco da cantora folclórica Vanja Orico, que pouca gente conhece.

Footing e meu amigo Ildefonso


Havia uma prática no Seminário de Aparecida, no recreio após o jantar, de caminhar pra lá e pra cá, conversando. Grupos de dois ou mais. Uma espécide de “footing”. No Seminário do Ipiranga a prática ainda era mais forte e havia grupos de uns 10 seminaristas, uns andando de frente e outros de costas, e invertiam os papéis quando chegavam ao final da „rua‟. Lembro-me de boas conversas com meu amigo Ildefonso nos recreios depois do jantar. O Ildefonso era meu parceiro favorito no basquete, fazíamos tabelinhas e ninguém conseguia parar. Na foto, o Ildefonso está lançando a bola ao cesto e eu, logo atrás, esperando o rebote. Ele tornou-se padre pela Diocese de São Paulo e teve atuação destacada como Mestre de Liturgia nas missas celebradas pelo Papa João Paulo II em São Paulo.

“L‟amore fa passare il tempo, il tempo fa passare l‟amore” 

Havia uma biblioteca com bons romances. Li muito José de Alencar, Machado de Assis. Mas um livro me provocou reações: “O Cardeal”. É a história de um padre boa pinta, americano, que acompanha seu Cardeal a Roma para a eleição do novo papa. Durante a viagem de navio rola certa intimidade com uma atriz de cinema. E ele “balança” em sua vocação. A frase acima estava estampada num cinzeiro do navio. Confesso que certos trechos me fizeram “arder em chamas” proibidas!

Cuidado com as primas

Palestra do Diretor Espiritual de preparação para as férias de fim de ano. Acho que esse padre nunca encarava as pessoas, sempre de olhas baixos. A inspiração era São Luís Gonzaga. E nós, já bastante sarcásticos, comentávamos que São Luís não olhava nem para as pernas das mesas!

As conversas noturnas e o Rádio de Galena



Íamos para o dormitório bem cedo, “com as galinhas”, como diz o dito popular. E havia um grupinho que gostava de ficar conversando, fumando, numa parte mais afastada do último andar. Alguns até se arriscavam sentando nas janelas amplas (nessa área as janelas eram apenas buracos, que não tinham vidros). Mas havia também o pessoal do Rádio de Galena. Eu não tive. Lembro-me que o Newton Aquiles Von Zubem, meu companheiro de classe, tinha um desses. E ouvia-se perfeitamente a Rádio Aparecida. No segundo ou terceiro ano, convenci meus pais a comprar um radinho de pilha. E passei a ouvir música ou jogos transmitidos pela Rádio de Taubaté.

FALANDO SÉRIO

O curso de Filosofia

Fraquinho, fraquinho. Os livros eram em latim. Lembro de 3 deles: Crítica, Metafísica e Cosmologia. Este último de um latim difícil, complicado. Havia um livrinho em português de Introdução à Filosofia. Em História da Filosofia até comprei um livro em Francês. Professores? Fracos. Ficavam sentados, fazendo comentários sob alguns aspectos.
Era uma filosofia Tomista, apologética, de defesa da Teologia. Dizia-se que a filosofia era “ancilla theologiae”. Serva ou escrava da Teologia. Era voltada para preparar os padres a defender a fé. Lembremo-nos que era tempo da apologética, a defesa da fé. Cheguei a ler e possuir um grosso volume de apologética do Reitor da PUC de Campinas. Não me lembro o nome desse Reitor.
Exemplo: na Cosmologia lembro-me de um tal de “batybius haechelli”. Haeckel defendia a idéia de que um minúsculo ser das profundezas dos mares (“batys”+”bios” em grego significa “vida na profundidade”) provava que havia “geração espontânea”, uma tese dos Evolucionistas. E a Teoria da Evolução sempre trouxe pedrinhas nos sapatos dos que acreditam na criação do mundo segundo a Bíblia. Mais tarde o próprio Haeckel aceitou que tinha cometido um erro e se retratou (sei disso porque pesquisei na Internet!). E o professor caprichou na argumentação contra a geração espontânea.
Hoje, fico pensando: onde estavam os filósofos atuais, por exemplo, um tal de Paul Ricoeur? Só vim a conhecer alguns filósofos contemporâneos quando entrei no mestrado de Filosofia da Educação, na PUC-SP.
Acho que deveria haver professores que soubessem trazer uma apanhado consistente dos grandes movimentos ocorridos pós idade média, ou seja: (a) a revolução coperniana e a cosmologia recente, (b) a Teoria da Evolução + arqueologia, (c) a Teoria Freudiana e o mundo interior.
Como é que já se conheciam esqueletos de Dinos e outros bichos e nunca ouvimos uma palavra sobre isso e as implicações sobre a leitura e interpretação da Bíblia?

A espiritualidade

Curioso, não consigo me lembrar da capela desse seminário. Está escondido em algum arquivo que não consigo acessar. Como foram os retiros espirituais? Alguma pregação me marcou? Nada.
Lembro, sim, que no mês de maio, mês de Maria, rezávamos o terço à noite na gruta que ficava perto da horta e uma chusma de pernilongos nos atacava, nas 31 noites!
E acho que é só.


Para ver 58 fotos acesse o álbum dos ex-SIC - Ecos de Aparecida,
clicando sobre o link abaixo





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