segunda-feira, 25 de junho de 2012

Seminário 1 - Sorocaba


Estas são algumas lembranças bem vívidas na minha cabeça sobre o
Seminário de Sorocaba. Passei lá de 1952 a 1954. Entre os 4 seminários que
freqüentei, achei o mais ‘diferente’. Acho que seguiam algum modelo italiano.
Luiz Carlos Daólio.

2 de fevereiro de 1952: a chegada – os baús

Meninos de 10 / 11 anos, vindos da “longínqua” cidade de Campinas e
adjacências (Amparo, Pedreira, Serra Negra, etc.), descem do ônibus (ou
seria Jardineira, ônibus com motor pra fora da cabine, na frente?) e entra
pela porta principal do Seminário São Carlos Borromeu, Avenida
Eugênio Salerno, n° 100, Sorocaba. Um padre recebe e alguns jovens de
16 ou 17 anos ajudam a descer os baús do alto da jardineira. Caixas de madeirite, mais ou menos enfeitados. Malas? Não. Ali estão os itens do “enxoval” com nossas roupas
assinaladas com números. 145 foi meu primeiro número.

2 de fevereiro de 1952: a chegada – as calças curtas


O Padre assustado: “Não avisaram vocês que não poderão usar calças curtas? Então vocês vão mandar um cartinha para os pais pedindo para trazerem (o mais cedo possível) calças compridas ...”. Nem lembro se ele falou “sejam bem-vindos ...
etc ...”. Este era nosso figurino (meu irmão e eu, ao fundo o Largo da Estação, Amparo): suspensório (obrigatório) e com /sem cinto. Sapatos, tênis era apenas um tipo de jogo.





2 de fevereiro de 1952: a chegada – o “anjo”
                                                    /\                 /\                                        /\
                                                   eu            governador                        meu anjo
                                                 
1954 – Visita do Governador Lucas Nogueira Garcez. Está no centro, ao lado do Cardeal Motta e o Bispo de Sorocaba. Pátio interno.
Eu(!?) estou na terceira fila, de cima prá baixo, à esquerda, marcado com dois pontinhos negros.
Meu anjo está na primeira fila dos alunos de batina entre o senhor de terno mais escuro e o de terno mais claro, antes do de terno branco.

O Padre chamou: “Mário Donato Sampaio” e o fez “meu” anjo. Quem ensinaria as
primeiras lições sobre o seminário. Não era muito alto, meio atarracado, testa larga,
orelhas de abano. Hoje é padre e tem perfil no Facebook. Convém apresenta-lo:

2 de fevereiro de 1952: a chegada – primeira boa notícia
Antes do anjo exercer suas primeiras tarefas fomos levados ao refeitório para um
lanche. Durante o lanche ... track! track! (som de vidro estilhaçando!). Algum futuro
colega “pé-de-gancho” (eram os ruins de bola) mandou um petardo em direção às
janelas do refeitório e daí o barulho. Conclui imediatamente: “Oba, tem futebol por
aqui!!!”

2 de fevereiro de 1952: a chegada – localizando o refeitório


Parte dos fundos do
prédio de 3 andares. Em
cima, dormitórios, no
meio salas de aulas e de
estudos, no nível da rua,
seria o térreo, digamos
mas um pouco abaixo do
piso. O pé-de-gancho
que quebrou o vidro do
refeitório estava jogando
bola nessa grama atrás
de nós, na foto. Nessa
grama também brinquei
muito de marcar gol de
cabeça, um contra o
outro, após as refeições
... coisa que eu proibiria
se meus filhos quisessem
disputar cabeçadas após o almoço!!! As figuras, da esquerda para a direita: Paulinho
(tornou-se juiz de direito), Pe. Tobias Barreto de Oliveira, eu e meu irmão Clésio
(falecido). Note que nós andávamos de “terninho”, feito em casa. Era o traje do dia a
dia. A foto deve ter sido meses depois que chegamos ao seminário. Os campos de
futebol ficavam à direita da foto, em 2 níveis abaixo.

2 de fevereiro de 1952: esvaziando o baú

O anjo nos levou ao dormitório e: “Esta é sua cama. (Milagrosamente, meu baú de
roupas estava lá, ao lado da cama) ...” e por aí vai, arrumou as roupas no amarinho e
ensinou a arrumar a cama.

2 de fevereiro de 1952: a papelaria

Eu ia fazer o preparatório (=admissão). Necessidades letivas: lápis, borracha, caneta
de pena, cadernos, tinta nanquim (acho) ... e livro “Preparatório ao alcance de todos”.
Itens importantes para escrever cartas: papel de carta, envelope, selos. (! Isso mesmo).
E goma arábica. E um item ... novo para mim.

2 de fevereiro de 1952: foi quando conheci papel higiênico

Nunca havia visto tal produto. Não vou contar o que minha família usava para
finalidade semelhante.Comprávamos alguns rolos (maciez “lixa”) e conservava os
rolos na carteira de estudos. Cada um desenrolava e separava um pedaço de tamanho
variável que era carregado continuamente no bolso. As privadas não tinham papel
higiênico.
Mas, esse produto, além de cumprir com sua finalidade de higienização, tinha uma
outra inusitada:”enforcar” o estudo. Havia colegas que matavam o tempo de estudo
desenrolando o rolo, enrolando novamente, separando porções para uso posterior.
Exemplificando: se o padre que nos acompanhava nos horários de estudo obrigatório
dava bronca se pegasse lendo um livro de história, e passava sem enxergar o
coleguinha matando o estudo.
Termina aqui o primeiro dia

O retiro e o beato

Perguntei ao meu anjo: “O que a gente faz no retiro
espiritual?”. Meditar, rezar sozinho, silêncio total e
ler algum livro piedoso. “Ler o que?”. Vida de santo.
“Onde”. Na Biblioteca. Fui, um grande salão com pé direito alto, prateleiras antigas. Depois de grande
indecisão, finalmente escolhi: ‘Beato Julião Eymard’.
Pois é, encarei e li tudinho. (Santo, Fundador dos
Sacramentinos)


A chanca e a poupança do Gallo

Campinho recém inaugurado. E bota campinho nisso. Fiz mais gols de tiro de metas do
que em jogadas. Isso se deveu ao bico bem duro da chanca que foi feita sob medida por
sapateiro de Amparo. Então, vamos dar bicuda. Mais para a frente, no segundo ano,
jogando no campo dos médios consegui acertar a bunda do meu colega José Omir
Gallo. De Serra Negra. Foi assim: eu sou o beque, estou em frente ao meu gol, vejo
uma bola vindo em minha direção, preparo minha melhor rebatida e ... o Gallo se
antecipou, agarrou e eu chutei a bunda dele. Ele era meio gordinho e tinha uma
poupança meio saliente. Nem reclamou.

E o Zé Galina me ferrou – levei um castigo

Faltas disciplinares graves eram castigadas com um dia inteiro na capela. Só podia
sair para fazer necessidades ou comer. Fui castigado duas vezes, e numa delas sei
exatamente a falta grave que cometi. Toda noite, após o recreio da noite, íamos à
capela para fazer orações e ouvir a leitura de algum livro formativo. Esse colega
dormia sempre, e pescava. E sempre se escorava em mim. Um bom dia resolvi tirar o
corpo e ele desabou no genuflexório. A vizinhança riu. Quem é o culpado? Me acusei.
No dia seguinte estava lá eu na capela. Mas o pior mesmo foi pro meu colega Valdivo
(Pedreira). Não sei o que ele perpetrou para levar 30 dias na capela, e com um
agravante: só podia ficar no fundo da capela, um pequeno espaço oferecido aos leigos.
Observação: Valdivo e eu fomos fazer uma visita ao seminário, há poucos anos, e ele
dizia da revolta que sentia ao ser tratado dessa maneira, isolado como se tivesse uma
doença transmissível.


Saí cagando

Rolavam as orações da manhã e deu vontade de ir ao banheiro. Fui pedir ao ‘prefeito
dos maiores’, que ficava no último banco. Ele negou. Voltei pro meu lugar e ... a coisa
começou a querer sair e ... tomei de coragem e saí correndo, já o cocô saindo. E o
caminho até o banheiro era grande. Mas, ufa, acabou dando certo. O ‘prefeito’ não me
deu bronca.

O sermão do Pe. Chiquinho

Sim, nosso Pe. Francisco de Almeida, de Campinas. Foi num daqueles retiros de um
dia. Ele foi convidado a fazer as prédicas durante o retiro. Numa das palestras,
inventou uma históriaterrivelmente dramática (foi assim que senti) sobre um menino
que tinha dúvidas sobre sua vocação e resolveu ir embora sorrateiramente de noite,
pulando a janela do seminário para fora. Estilo fuga da prisão. Não lembro os
detalhes. Acontece que depois de ter chegado à rua começou a ver filas e filas de
pessoas tristes, cabisbaixas, caminhando lentamente. Achou estranho e foi perguntar a
uma pessoa que parecia estar organizando ou acompanhando. Essa pessoa, de olhar
profundo, sereno, parecendo um profeta explicou: “Essas pessoas estão se
encaminhando ao inferno. Elas poderiam ter sido salvas se você não tivesse fugido do
seminário e se tornado padre ...” ENTÃO O RAPAZ ACORDOU! Tinha sido apenas um
sonho. E o rapaz resolveu continuar no seminário... (juro, o Pe. Chiquinho me
enganou, a coisa parecia tão real!!! Ufa, ainda bem que era um sonho)

Futebol com calças compridas e a bicicleta

Para quem estava acostumado a jogar bola descalço ou de alpargatas lá no campinho
do Patronato em Amparo, jogar de calças compridas era um tanto estranho.
Praticamente você reservava uma calça só para jogar futebol. O mais difícil estava
reservado aos seminaristas maiores, do colegial, que já tinham ‘recebido batina’ e
viviam de batina e tinham que jogar bola de calça comprida+batina. E olhe que tinha
um cidadão baixinho, de Bragança Paulista que conseguia DAR BICICLETA, numa
boa.’ Meninos, eu vi’, como diria Gonçalves Dias!!! (o local onde guardávamos os
apetrechos do futebol eram muito fedidos)

Escalas para banhos

O futebol ‘oficial’ – campeonatos, disputas – era praticado apenas nas quintas à tarde
e no domingo. E era acompanhado do banho respectivo. Para tomar banho dos outros
dias havia escalas. E eu, por azar, costumava cair no horário entre 8 e 8:30 da manhã,
digamos, segunda, quarta e sexta. Nesse horário já havíamos participado da missa e
tomado café, esperando a primeira aula. Chuveiro quente? Nenhum. Em geral aquelas
latinhas furadas esguichavam em muitas direções. Perguntas: você obedeceu às escalas
todas ... bem, nem sempre, né. Principalmente nos dias frios.

Férias de julho de 1952 – onde ficamos - Campinas?


Em todas as férias de julho o seminário todo deslocava-se para
alguma outra cidade. Pois em 1952 nós desembarcamos em
Campinas! Acho que ficamos hospedados no Colégio Diocesano que,
se não me engano, era parede-meia com o seminário. A única
lembrança que ficou dos aposentos é esse tipo de privada.
Privada turca. Não sei como me virei na época. Você bota os dois pés no local adequado, agacha e ... operação super complicada sujeita a tombos e etc.!

Férias de julho de 1952 – Campinas - um juiz mirim

Pois eu estava assistindo um jogo de futebol dos seminaristas maiores, não devia ser
assim uma disputa séria, apenas um joguinho gostoso quando começaram algumas
discussões sobre faltas, quem fez em quem. Não é que um cara chamado Loretti, dono
de uma canhota potente, vem na minha direção e me dá um apito e pede para eu apitar
o jogo. E apitei. E eles obedeciam ao meu apito ... eu com 11 anos ... e o jogo
transcorreu calmamente até o final.

As férias de julho: em 1953 fomos a uma fazenda experimental ou escola agrícola
talvez, em Itapetininga. Sei que foram as melhores mas não sei porque ... há duas
coisas na memória, uma, o pãozinho quente extra que a gente conseguia indo direto à
padaria e aquele tipo de brincadeira assim “o general passou em revista sua tropa e
achou a falta do sargento ... Sargento não falta (levantava o sargento), quem falta é o
capitão” ... isso tudo numa boa velocidade para o lerdo perder tempo e ir pro fim da
fila. Em 1954 fomos para o seminário menor de Botucatu, mas nada sobrou na
memória.

Ajudando as Missões - meu amigo Jamil

Fazer terços e santinhos. Para ajudar as missões. Para fazer o terço: arame
apropriado, um alicate de bico pra fazer as curvas e encaixes, contas - umas frutinhas
não sei do que. A gente pegava as continhas, enfiava uma a uma no arame e depois ia
separando uma a uma, fazendo curvas, ligando uma a outra até completar um terço
completo. Consegui produzir terços alguns com alguma dificuldade.
Mas os santinhos eram obras de arte. Pegava-se um papel esbranquiçado e fazia-se
todo um rendilhado, um bordado feito com uma tesoura de bico fino, colava-se alguma
imagem de santo, fazia uns desenhos, enfim. Uma obra de arte. Tentei achar na internet
mas não consegui. Mas quem era bom nisso era meu amigo Jamil. Eu ficava olhando
com uma inveja. Esse colega, que reencontrei no Ipiranga, hoje Monsenhor, Pároco da
Catedral de Piracicaba, tornou-se reconhecido Museólogo, já foi Conselheiro do
Condephaat, enfim, é um autoridade no assunto.

O falso bordão e a Opereta

O Pe. Testa é o padre que está mais à direita na foto que já mostrei. Italiano da gema.
Gostava de correr atrás da bola de batina e tudo e depois pegava um lenço, enxugava a
testa e estava limpo. Lembro tentando explicar a mudança que o falso bordão (!)
provocou na música. Mas o extraordinário dele é que conseguia montar Operetas no
seminário. Acho que foram duas. Mas era a parte musical das operetas. Uma pequena
orquestra, um coral e solistas. Coisa linda! Qual seminário no Brasil conseguiria esse
feito?
Cultura inútil: “O gymel era a utilização do intervalo de terça e o falso bordão era um gymel aoqual se acrescentou um intervalo de sexta ...”. Bem simples, não é mesmo?


Agora percebo uma coisa: em Sorocaba não cantávamos o gregoriano. A não ser,
talvez, o “tantum ergo” ou “salve Regina”. Havia um coral cujo objetivo era atuar nas
missas solenes da Catedral. Cantei uns tempos no coral e o hino que mais permitia
soltar a garganta era cantado na entrada do Bispo: “Ecce Sacerdos Magnus”. A
missas eram todas polifônicas, 4 vozes. Eu era contralto. Lembro que tivemos muito
problema para cantar as missas do Palestrina.

Os jogos perigosos

O Garrafão e o Taco. Jogos de curta temporada. Mal e mal começavam e os padres
proibiam. Por que? O Garrafão era violento. Ou você estava no grupo que batia
(usava-se cinta de couro) ou no grupo que apanhava. Na Internet há descrições dessa
maluquice. Com o Taco era diferente. Muita gente conhece por “betis”. O problema
era o seguinte: sem saber como ou porque, um belo dia um cara aparecia com dois
tacos e armava o primeiro jogo. No campo dos médios. Nos dias seguintes já eram 4 ou
mais grupos ocupando espaços contíguos. Perigo imediato. E a regra tinha um
complicador muito perigoso: o rebatedor tanto podia devolver a bola ou deixar passar
para trás da casinha e tacar para trás, e conseguir um número de voltas bem grande. E
logo, logo, um rebatedor afoito acertava a testa do cara que ficava atrás. No dia
seguinte os padres mandavam parar com a brincadeira.

O cardápio semanal

Acho que o cardápio semanal do almoço era fixo. Lembro de 2 menus. O pior era no
sábado, farofa com feijão e arroz. O melhor era na 5ª feira, uma maçaroca de
mandioca com carne, aquilo caia firme no estomago, dava aquela sensação de uma
comida forte. E era gostosa essa maçaroca. Também ...

Preposições latinas em versos

No 1° ano, o Pe. Vallini ensinava latim. A parte da morfologia foi uma beleza. Até hoje
sei todas as preposições latinas pois ele nos deu em forma te verso. Vejamos:
PREPOSIÇÕES QUE REGEM ACUSATIVO
Ante, apud, ad, adversum,
Circum, circa, citra, cis,
Erga, contra, inter, extra,
Infra, intra, juxta, ob,
Super, penes, post, preter
Prope, propter, per, secundum,
Supra, versus, ultra, trans.
PREPOSIÇÕES QUE REGEM ABLATIVO
A, ab, abs, (e) de,
Coram, clam, cum, ex, (e) de,
Tenus, sine, pro (e) pre.
PREPOSIÇÕES QUE REGEM OS DOIS CASOS
In, sub, super, subter.

Meu caderno de Geografia – 1° ano – 1953

Pe. Aldo Vanucchi, recém chegado de Roma. Vejam minha relíquia, um caderno onde
passei a limpo as aulas ditadas por ele no inovador estilo pedagógico de pergunta /
resposta. Tentei botar em prática as aulas de caligrafia mas o resultado não foi dos
melhores.

E, para fechar com chave de ouro, meu Histórico Escolar



4 comentários:

  1. Li com muito interesse essa sua historia. Tambem fui seminarista em Sorocaba - 1960 a 1966. Pe Mario Donato Sampaio foi ministro espiritual.
    Parabens pelo texto e pelas fotos.
    Grande Abraco
    Helio Pompe

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  2. Olá Luiz. Li seus textos. Que ótimas fotos. Grandes lembranças e raras imagens. Eu também fui seminarista no São Carlos Borromeu entre 1985 e 1987. Fiz Filosofia lá. Vamos trocar as boas lembranças daquele magnífico prédio. Abraços. ÉLCIO, Sorocaba, 23/1/14 (contato: elciosupervisor@ig.com.br)

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  3. Olá, Luiz! Tentando contato contigo. Eis meu novo e-mail: elcioescritor@gmail.com
    Comprei seu livro "Tudo passa..." e quero cumprimentá-lo pelo material. Parabéns!
    Também escrevi uma autobiografia dos meus tempos de seminário e da ordenação que não aconteceu. Vamos conversar? Abração!

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  4. Alô, Daólio! Hoje é dia de São Carlos Borromeu. Então, compartilhemos boas lembranças dos bons tempos no grande Seminário de Sorocaba. Meu abraço!

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