domingo, 3 de junho de 2012

Seminário 4 - Ipiranga


1962 e 1963 – Seminário Central de Teologia do Ipiranga. 2 anos apenas? Mas o curso de Teologia não era de 4 anos? Por que só 2 anos? Veja mais adiante a resposta. Eu diria que foi o Seminário mais “esquisito”, devido a algumas regras incompreensíveis, dado que nós já éramos razoavelmente adultos e não precisávamos de algumas dessas regras. Um grupo chegou até a propor mudanças, e ...
Luiz Carlos Daólio.

“Pannis cum buccelato”

Uma quinta-feira por mês havia retiro. Os horários e atividades do dia eram descritas por meio de um quadro de avisos, a cargo do Ministro de Disciplina, no caso, o Monsenhor Ulhoa. Pois não é que, num desses avisos, apareceu: 10 horas – Pannis cum buccelato. Era o cardápio do lanche das 10 horas: “Pão com mortadela”. Acho que ele quis fazer uma graça. Ou não?

Por falar no Mons. Ulhoa 

Ganhei algum dinheiro dele ao datilografar os rascunhos de um livro que ele queria publicar, em latim, é claro(!). Chamava-se “De Ecclesia”. Acho que não foi publicado. Mas valeu para dar um descanso para meus pais, isto é, não precisava pedir dinheiro em casa.

Por falar no Mons. Ulhoa – “Moro em Jaçanã”


Não tem nada a ver com a famosa música do Adoniram. Tem a ver com o bairro Jaçanã, com a história de que “o mundo é pequeno”, com os Irmãos Cirelli e seus parentes e com uma regra incrível ... Nas quintas-feiras, à tarde, podíamos sair para a cidade. Pois bem, havia uma regra clara: “não se pode visitar parentes”. Por que? Não sei. Você podia visitar museus, ir ao cinema, freqüentar certas casas não muito “católicas” (desde que não fosse surpreendido). Pois não é que esses irmãos Cirella, se não me engano, sentiram saudades de sua irmã, moradora em Jaçanã, e resolveram fazer-lhe uma visita. Mas não é que, por um incrível azar, foram surpreendidos pelo Mons. Ulhoa que, não sabemos por que cargas d’água, andava por aquelas redondezas. Levaram bronca, é claro. E todo mundo soube.

Os irmãos Cirelli e a máquina de escrever


Eles possuíam u’a máquina de escrever, Remington Rand, portátil. Pois entabulei um papo com eles e adquiri a dita cuja por $ 25,00 (o que mesmo?). Até hoje tenho a dita máquina, que funciona perfeitamente.

Foi com essa máquina também que...
... ganhei uns trocados traduzindo, a pedido do Ernani (o mesmo que, lá em Aparecida, havia me convidado para fazer parte do grupo de cinema), um texto em francês. Hesitei um pouco mas traduzi, com um dicionário do lado. O texto apresentava dicas práticas de como dar conselhos no confessionário, principalmente nos problemas, digamos, mais cabeludos. Era um pequeno curso prático de pastoral da confissão.

Por falar em dinheiro


Foi em 1962 que escrevi o documento sobre “Cineclubismo e Cineforum” que já foi publicado no site dos Ex-Sic. E vendi 200 exemplares do documento. Nem me lembro bem como é que eu divulguei. Acontece que, à época, havia um Cineclube muito atuante em Porto Alegre... E eu estive em Porto Alegre ... (assunto para mais adiante). Não sei como, só sei que vendi bem. Mas mereci. Datilografei tudo em Stencil, comprei um montão de folhas, eu mesmo reproduzi no mimeógrafo com alguma ajuda de colegas, montei e grampeei todas as 200 cópias, e despachei. E recebi meu primeiro cheque. Quanto foi? Não tenho a mínima idéia. A única coisa que não fiz foram as ilustrações, feitas pelo meu amigo Jamil (do qual já falei no Seminário 1, Sorocaba).
Observação: modéstia às favas. Há um exemplar desse documento na Cinemateca Brasileira.

O Cineclube Pio XI


Não sei se fui eu que criei ou já existia. Acho que fui eu porque no documento citado eu ensino como abrir um Cineclube. Pois bem, passei a programar os filmes do Seminário. Ia até a cidade, ia até os distribuidores e lá alugava filmes de 16 milímetros, dentro dos conceitos de cinema bom à época: cinema italiano, cinema francês, Hitchcock. Mas também programei sessões especiais de filmes clássicos, tipo, “Das Kabinet das Doctor Caligari”(1918), “Scarface”(1932). E todas as sessões eram precedidas de introduções em murais ou ao vivo e a cores. E, depois, seguidas de debates, para quem queria. Acho que fui um bom presidente de cineclube, ou até bom demais porque mais adiante ...
(Parênteses: acho que foi o Domingos Jorge Velho, também conhecido como “Onça”, que me introduziu no mundo do cinema. Nas férias, em Amparo, nós tínhamos que pedir autorização para o Mons. Lisboa para assistir filmes. E até que ele era permitia com facilidade. E o Onça, muitas vezes, fazia eu pedir a licença. E um filme que me marcou foi o primeiro Hitchcock que assisti: “O Homem que sabia demais”. Acho que o Onça me alertou para a importância do Hitchcock, o suspense. Acho que nasceu aí meu interesse pelo cinema.)


E havia os filmes dos Consulados


Consulado da França (“Le balon rouge”, “L’écharpe”), da Suécia, do Canadá (filmes experimentais, desenhados direto na película), lembro de um filme sobre as mãos, talvez do Consulado da Romênia. Agora, quem extrapolou mesmo foi um alemão meio maluco (dava espetáculos deitando sobre pedaços de vidro) que trouxe muitos filmes do Consulado Alemão sobre fábulas representadas por atores (Branca de Neve e outros). Havia até uma salinha escura perto do campo de futebol que permitia a exibição de filmes durante o dia. Para todos os gostos.

O massagista cego e minha mão direita


Acho que, de esportes, eu só praticava o basquete. O campo era de terra e criava muito limbo. Um belo dia levei um escorregão e apoiei o corpo na queda com a mão direita. Resultado: perdi totalmente a força nessa mão. Achei que tinha quebrado. Alguém sugeriu que eu procurasse um massagista cego ali do lado, no Instituto Padre Chico. Fui e ele me recebeu muito bem, apalpou, nada estava quebrado. Em algumas poucas sessões ele colocou tudo no lugar.

“Fossam fodit et escavavit sed incidit in foveam quam fecit”


Leia essa expressão latina em voz alta e sinta a força da expressão. Sem saber latim, dá para perceber a semelhança de umas palavras com expressões “chulas” em português (embora, hoje em dia, palavras “chulas” são usadas tranquilamente por nós em conversas caseiras, se não em público). Vamos devagar:
 Tradução literal: (O cara) abriu um buraco e escavou, mas caiu no buraco que ele próprio fez.
 Tradução livre: O cara sifu. Ou, o cara fez uma armadilha (uma arapuca) para outra pessoa cair, mas caiu na armadilha que ele próprio criou.
 Origem da expressão: algum salmo que a gente recitava na capela em alguma das “horas canônicas”. Me lembro que, pela manhã, a gente recitava a “Prima”, aos domingos à tarde recitávamos a “Véspera”, à noite recitávamos a “Noa?”. Práticas conventuais para seminaristas que deviam se tornar paroquiais, pastores. E havia a obrigação de rezar o “Breviário” todo dia. Eu tive meu breviário, após a Tonsura. Algum padre ainda reza o “Breviário”?


“Brasil Urgente”


Um jornal tipo tablóide. Incendiário. Reformista. Era 1963, pré-golpe. Cheguei a assinar e guardei por uns tempos. Vejam as capas do jornal.

Na internet, achei alguns artigos sobre o jornal, inclusive esta imagem, capa de um livro sobre o assunto. Sei agora que nasceu nos movimentos liderados pelos frades dominicanos, em especial o Fr. Carlos Josaphat e o Fr. Libânio, que, após o golpe, foram perseguidos e presos, com outros frades. O Pe. Ferraro foi aluno do Carlos Josaphat, na Suiça.


Representei os colegas do Ipiranga, em duas ocasiões.


Não sei bem se me ofereci ou se fui escolhido, mas é verdade.
 Houve um encontro nacional de seminaristas maiores em Santa Maria, Rio grande do Sul, e lá fui eu. Lembro-me que houve palestra, depoimentos e apresentação de peças teatrais. Lembro-me bem de uma delas:”A amizade está no fundo do poço”. E a sensação de ter tomado leite com chá, no café da manhã, receita muito boa para um frio danado.
 E, por mera coincidência, nas mesmas datas, houve um Congresso Nacional de Cinema em Porto Alegre. Fui dar uma espiada no Congresso (ou será que fui divulgar minha apostila?). Bem, me hospedei no Seminário de Viamão, um imenso seminário dentro de uma chácara, aprendi o que é Bergamota, saboreei um vinho caseiro espetacular num seminário dos capuchinhos.
 No ano seguinte, 1962, fui representar os colegas no encontro nacional dos seminaristas maiores em Brodosqui, terra do Cândido Portinari. O encontro foi presidido e apoiado pelo Bispo de Ribeirão Preto, Dom Mousinho. Cabeça aberta. Cabeça de Vaticano II. Era um florescer de idéias sobre uma igreja que parecia se abrir ao mundo.

Lembranças das aulas


 Aprendi, com um padre italiano que em certos momentos chegava a “bestemiar”, que a igreja católica, se na época tinha lá seus defeitos e pecados, tinha sido muito pior na Idade Média. Ele despejava um monte de barbaridades que se perpretavam nos conventos e adjacências, nas universidades. Não me lembro o nome. (acho que a matéria dele era a tradição, os testemunhos dos santos padres, por exemplo, São Jerônimo e companhia)

 Do padre que ensinava Cristologia (puxa, aquele cara alto, boa pinta) que filosoficamente a reencarnação única ou múltipla é errada porque nós não somos um composto de alma+corpo, não, somos uma pessoa, e, como tal, algo indissociável. Quando morremos, é a pessoa que morre. E a alma, pra onde vai? Deixemos pra Deus resolver no final dos tempos, na nossa ressurreição gloriosa. A idéia de que há um depósito de almas esperando um corpo nascer para entrar nele não tem cabimento.

 Havia 2 padres que ensinavam sobre as Escrituras Sagradas. Um era baixinho e vermelho como um pimentão (vermelho, claro). Nome? O outro era o Pe. Chivinsky, polonês. PORÉM fico embasbacado como não ouvi eles falarem de novos conhecimentos a respeito das escrituras, já em andamento há um bom tempo na Europa. Por exemplo, só mais tarde vim a saber que a duplicidade da criação do homem no Gênesis (você já reparou, ou ainda não?) se deve a duas tradições orais, Javista e Elohista. Na criação em sete dias, Deus é chamado de “aquele que é – Javé”. Na história do paraíso Deus é chamado de Elohim, “o senhor”. E os Manuscritos de Qumram que foram descoberto mais ou menos por volta de 1947???

 E havia o cearense, que lecionava Teologia Moral. Fazia grandes digressões fiilosóficas nas aulas e era difícil de acompanhar. Diziam que era tão distraído que certo dia, ao tomar o elevador no 1º. Andar de um prédio, caiu no poço porque a porta abriu e o elevador não estava lá.

Fui locutor no jornal falado, a convite do Gastão Ferragut


Havia um pequeno estúdio de gravação. E o Gastão produzia um jornal falado toda semana. O jornal era apresentado aos colegas no horário do almoço. O jornal começava com os acordes iniciais da canção “Engenho Novo” gravado por Inezita Barroso. Daí entrava o locutor com as notícias mais quentes da semana. Mas o Gastão não gostava muito do meu desempenho pois minha fala é muito monocórdica ou monotônica. Foi por pouco tempo.

1962 – Copa do Mundo – Fui assistir um jogo “ao vivo”


É difícil acreditar no que fui assistir, em plena Praça da Sé, em São Paulo. Ainda não havia transmissão direta e nem vídeo-tape. Aí inventaram um grande painel, cheio de luzinhas vermelhas, como se fosse um campo de futebol. Aí um cidadão ia acionando as luzinhas acompanhando a transmissão radiofônica do famoso Pedro Luís. E o locutor, já ciente desse artefato, caprichava nas descrições do tipo “o enterforward atravessa o meio do campo, inclina-se para a direita e passa para o ponta, que corre em direção à linha de fundo e cruza para a área ...”. Uma fala cheia de dicas para o acionador das lâmpadas poder localizar os jogadores. Assisti uma meia hora e desisti.

Chegando ao final da história – fui considerado persona non grata‟


Fomos para as merecidas férias. Recebo telefonema de Campinas: “Mons. Bruno que falar com você”. Me mostrou uma carta que significava minha expulsão do Seminário do Ipiranga. Por quais razões. Não me lembro, mas acho que posso apontar duas:

 Cinéfilo demais, sem vocação.
 Uma Carta que (acho) foi enviada à Comissão de Bispos que auditava o Seminário do Ipiranga com sugestões de mudanças. E eu não fui o cabeça da iniciativa. Lembro que o Claudinê chegou para mim e falou do movimento e se eu poderia contribuir, acho que com a redação final, nem me lembro direito. E colaborei, claro. E acho que levei a fama.
Tenho dito.

Um comentário:

  1. Daólio, como diz o Grego, é sempre bom recordar os tempos de seminário, aliás, é bom recordar todos os passados. Como eu saí no final de 1958 do seminário menor e você chegou em 1959 no já então seminário de filosofia, peço me informar se algum dos padres do extinto seminário menor permaneceu lá. São eles, se a minha memória estiver funcionando: Cônego Jair do Nascimento (reitor), Mons. João, Pe. Vieira, Pe. João Rezende (pe.espiritual), Pe. Bosco, Pe. Russo, Pe. Noé e Pe. Munari. Sucesso e felicidades. Vilson.

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