1º ANO DE FILOSOFIA EM APARECIDA DO
NORTE - 1959
Surgiu-me à idéia: e seu eu fizesse um diário? Esse pensamento
amadureceu, e eis eu tentando hoje dar início ao meu diário (sic!).
Não sei se sairá bom. Tentemos, porém, pois, como diz o ditado,
“quem não arrisca não petisca”.
Dia 2 (de
fevereiro de 1959)
Deparei com um enorme seminário. 4 andares! Tão grande era a
alegria, que nem lembrei se adaptava ao meu caso, agora, o começo
daquela poesia de Paulo Setubal: “Chego! Que felicidade imensa!
Todos me querem bem!”, etc. E o meu anjo? Sim, lá vem ele, o
Baldini, pequeno como o “Zaqueu” lá de Campinas (quem
seria esse Zaqueu... não me lembro, talvez fosse o Sebastião
Valin). Apresto-me para subir ao 4º andar, o
dormitório. A “escadite” já me começa a atacar as pernas,
única coisa que causou algum desapontamento. Revi os antigos,
conheci alguns novos. Assim se passou a primeira tarde neste
seminário, entre risos e abraços.
Dia 3 (de
fevereiro de 1959)
Depois da missa e do café, apresto-me (uáu!)
para jogar, mas ouço dizer que os novos têm licença para sair.
Embora não tenhamos de subir escadas, Aparecida é cheia de
ladeiras, pelas quais temos que subir para chegar à Basílica; único
meio é fazer uma forcinha. Depois de visitar a Basílica e comprar
um livro na livraria, volto. A comida está bem gostosa no
refeitório, à nossa espera. Aliás, até agora, a comida está
ótima. À tarde, após 1 mês e meio sem por o pé na bola, fui
jogar com os outros do 1º ano. Que canseira! Mesmo assim, tive que
subir algumas vezes ainda os “110” (degraus).
À noite houve o “enxuga lágrimas” (!?).
Dia 4
(de fevereiro de 1959)
O sono não deu para
descansar, e levantei cansadíssimo. Fiz a resolução de não jogar
futebol; mas, veio a tentação e caí; eis eu entrando a campo à
tarde. Mesmo estando mais cansado do que no dia anterior, joguei com
mais disposição, e melhor. Antes do almoço o nosso Reitor (Mons.
Abib) falou-nos sobre a direção que era dada aos
seminaristas maiores, e salientou o espírito de responsabilidade que
todos devem ter no seminário maior, já que a vigilância não
existe quase. À noite foi aberto o retiro. Pretendo escrever, nos
dias de retiro, um resumo das práticas e meditações feitas pelo
nosso Diretor Espiritual, Pe. Jair (o
tal que pregava, antes da saída de férias, o “cuidado com as
primas”).
Dia 5 (de
fevereiro de 1959)
1ª Prática: A salvação da nossa alma é (a) negócio
importante; (b) o mais importante; (c) o único importante. (a)
negócio importante: nem precisamos de muitas considerações para
chegarmos a tal idéia; (b) é o mais importante: o nosso corpo é
corruptível, mortal; a nossa alma é imaterial, incorruptível,
imortal. Assim, devemos lutar por um fim que nos é melhor, isto é,
a salvação de nossa alma, que viverá para sempre; (c) o único
importante: o demônio, quando nos tenta, as tentações são todas
endereçadas para a perda de nossa alma somente, não do corpo, pois
sabe que é a alma a única coisa imperecível em nós; portanto, a
salvação da nossa alma é a única coisa importante na nossa vida,
de importância absoluta, havendo coisas importantes, mas
relativamente.
2ª Prática - “Omnia facta sunt propter homines”, diz Sto.
Inácio. “Todas as coisas foram criadas por causa do homem”, não
para o homem. Todas as coisas que existem são boas ou más, conforme
as circunstâncias. Qual então a norma para usarmos as coisas de
maneira a que sejam boas? Sto. Inácio, nos Exercícios Espirituais -
que estamos seguindo neste retiro - exprime a maneira de usá-las e a
intensidade com que se deve usá-las por 2 advérbios: “tantum,
quantum”, “tanto, quanto”. Assim, por exemplo, devemos usar da
comida tanto quanto seja necessário para nosso sustento e para que
desempenhemos nossa missão de salvar nossas almas; assim, se usarmos
bem os alimentos eles nos darão forças para cumprirmos os nossos
deveres, etc. Porém, se dele usarmos mal, só nos servirá para nos
incomodar e prejudicar. Não só devemos usar (ou contemplar, ver,
etc.) a natureza como também seguir-lhe os exemplos de servir a Deus
que nos dá. Assim, bem usada a natureza, ela nos ajudará a alcançar
o nosso fim; salvar a nossa alma, ir para Deus.
3ª Prática: Se a salvação da alma é o único negócio
importante, a perda da graça divina é a única coisa que devemos
temer realmente. Como que perdemos a graça divina? Pelo pecado.
Assim, o pecado é a maior e única coisa de que nos devemos afastar.
O que é pecado? É o afastamento de Deus pelo uso errado de uma
criatura, apegarmo-nos a uma criatura. Assim, afastados de Deus, que
é nosso arrimo, perdemos tudo, pois Deus se afastará também de
nós. Mas não nos devemos desesperar. Jesus veio à terra apagar a
nossa dívida que havíamos contraído com Deus. Ficamos assim
suavizados com aquelas palavras: “Os pecados serão perdoados a
quem vós perdoardes”. Portanto, a confissão não é uma coisa
terrífica pois é ali que a bondade perfeitíssima de Deus se
manifesta.
Dia 6 (de
fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: inferno)
1ª Prática: A consequência mais palpável, na terra, do pecado
de Adão é a morte, que como que concentra todos os castigos da
desobediência de Adão. Quase sempre quando falamos na morte
sentimos certo temor. Várias são as razões que se aduzem para
explicar esse temor natural: 1 – a morte é a separação de coisas
que gostamos muito, por vivermos muito tempo juntos com essas coisas;
2 – a morte é um mistério pois não sabemos o que acontece
depois, etc.; 3 – a morte é o passo definitivo; se nele falharmos,
iremos ao inferno. A morte, embora seja coisa certíssima, é incerta
quanto às circunstâncias; não sabemos nem a hora, nem o modo, nem
o lugar, etc., onde iremos morrer. Por isso devemos estar sempre
preparados para morrer para que, quando chegar a nossa hora, não
dermos o passo em falso.
2ª Prática: Se o maior mal é o pecado mortal, nem por isso o
venial não é uma ofensa a Deus não. O pecado venial não é uma
aversão total a Deus, mas um desvio. Com o pecado venial não
perdemos a graça santificante. Ele é como a lepra que não tira a
vida instantaneamente mas causa morte depois de certo tempo; assim
muitos pecados veniais deliberados levam-nos ao pecado mortal. Além
disso, os pecados leves podem nos levar ao pior estado da alma, a
tibieza; essa tibieza é tão detestada por Deus a tal ponto de
dizer: “Pois que não és quente nem frio eu te vomitarei pela
boca”. Por isso devemos evitar com todas as veras (uau!)
de nossa alma essas ofensas e injúrias à bondade em pessoa, Deus.
3ª Prática: Deus, ser perfeitíssimo, tem todas as virtudes em
grau perfeitíssimo, todas iguais. Mas, com relação aos homens, a
maior virtude de Deus é a misericórdia. Que de atos de
misericórdia! ... Essa virtude alcançou o auge com a encarnação
pois Deus, ser infinito, vem se sacrificar, morrer com morte
horrorosa, tomando corpo humano, para salvar as suas mesquinhas
criaturas e ingratas, não reconhecidos dos favores por Ele feitos.
Dia 7 (de
fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: pureza de coração)
1ª Prática: Quando quisermos praticar a virtude devemos tomar
como modelo Nosso Senhor. Não que possamos imitar-lhe as virtudes,
que nele são em grau infinito, mas que possamos nos aproximar o mais
possível da perfeição. Uma maneira prática de bem agirmos é
essa: quando estamos para fazer uma ação, perguntamo-nos: se Nosso
Senhor estivesse no meu lugar, o que faria?
2ª Prática: A obediência é muito importante para o seminarista
não só porque, treinando aqui, facilmente obedecerá mais tarde ao
Bispo Diocesano, mas também porque a obediência nos leva aos
píncaros (UAU!) da
perfeição; assim, o caminho mais fácil (!) para a santidade, isto
é, o único caminho é a obediência à vontade de Deus Pai; quem
faz a vontade de Deus já está bem adiantado na sua vida espiritual;
em quem, aonde está a vontade de Deus? Nos superiores legitimamente
constituídos, tanto civis como religiosos; aqui no seminário a
vontade de Deus se manifesta pelos padres superiores, diretores da
casa; a eles pois devemos obedecer incontinenti.(uau!)
3ª Prática: O retiro serve para vermos as nossas principais
falhas e fazer propósitos de corrigi-las. Mas não adianta tomar
muitos propósitos, que não venhamos a cumprir, nem propósitos
futuros, para os tempos que formos padres; devemos tomar poucos
propósitos, práticos e atuais.
Dia 8 (de
fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: Piedade)
1ª Prática: A devoção eucarística é muito importante para os
padres pois a vida do padre, e do seminarista, é rondar o sacrário,
onde acharão o sustento para as lutas da vida. A visita ao SS é
coisa muito importante, hora em que nós iremos contar a Nosso
Senhor, como um amigo que Ele é realmente, as nossas vicissitudes
(!) e vitórias. Não
deixemos Jesus solitário, mas visitemo-lo, que ele assim o quer.
2ª Prática: Já que estamos no fim do Ano Centenário das
Aparições em Lourdes, seria bom dedicarmos uma prática a essas
manifestações celestiais. As visões de Bernadete nos vieram avisar
para que façamos estas duas coisas: orar e penitenciar-mo-nos. Nossa
Senhora veio recomendar essas duas coisas, pela conversão dos
pecadores. Aliás, nas 3 últimas manifestações de Nossa Senhora,
em Salete, Lourdes e Fátima, ela pediu que rezássemos muito pela
conversão dos pecadores pois “não pode mais sustentar o braço de
seu Divino Filho”. Rezemos especialmente o terço, muito
recomendado por Nossa Senhora e façamos penitências e mortificações
nessa intenção.
Dia 9 (de
fevereiro de 1959)
Encerramento do retiro; o Pe. Espiritual deu o “Deo Gratias”
no refeitório; no fim do café o Beni agradeceu ao Pe. Jair. Tinha
sido dada, após a Santa Missa, a bênção papal. Agradeço a Deus
esse retiro. (?!)
Dia 10 (de
fevereiro de 1959)
“Nihil novi” (Nada
de novo)
Dia 11 (de
fevereiro de 1959)
Palestra do Pe. Leucádio (Ministro
da Disciplina). Esteve aí o Pe. Araújo (do
Seminário do Ipiranga)
“célebre” pelas suas distrações.
Dia 12 (de
fevereiro de 1959)
Início das aulas. Celebrou missa cedo S. Excia. D. Macedo. Após
uma “lectio brevis” (Aula
Inaugural), feita pelo Pe. Claudino, houve o jogo dos
velhos contra os novos, vencendo os velhos por 5 x 2. Nenhum dos 2
times esteve bom, saiu um jogo “chato”.
Dia 13 (de
fevereiro de 1959)
Começaram as aulas. Na missa faço o propósito de fazer outro
período das 9 primeiras sextas-feiras (o
que seria isso?). Depois encontramo-nos com a
Filosofia. Muito confuso, no começo.
Dia 14 (de
fevereiro de 1959)
Umas dores fazem-me pensar que estou com apendicite; por isso me
abstenho (!) do futebol. Nas aulas, ouvimos uma coisa sobre a qual
muito falamos: “gateitas”. (o
professor, para explicar a essência das coisas, utilizava a
expressão acima para significar qual seria a essência de um gato).
Parece que vou entrar na “Schola Chantorum” (=coral).
Aulas de Biologia, só depois, em março.
... FAIÔ
...
(Essa
foi a primeira tentativa de fazer um DIÁRIO... teve continuação, 7
meses depois)
Dia 28 (de outubro de 1959)
É bom já começar, não?
Mas por que neste dia? Alguma data especial? São Judas Tadeu? Nem
uma, nem outra coisa. É só isto: resolvi começá-lo (o diário) no
dia em que estivesse terminado o campo de basquete, e, “eis-me
aqui”. O jogo de estréia será amanhã. Irei jogar? Creio que não.
Fatos do dia? Primeiro, sermão. Eufasia, “seu” Daólio.
(eufasia, do grego, comunicar-se bem com
os outros). Jogo de futebol: Juventus e Santos.
(campeonato interno) Não
acabou o jogo. Falta 20’. Furou a bola. Jogamos furiosos pois o 1º
gol deles foi em claro impedimento. Está 2 x 1 para eles. São Paulo
ganhou: 2 x 1. (campeonato paulista)
No estudo, ainda o trabalho científico. Existencialismo:
Kierkegaard, Heiddeger, etc., etc.
Vou falar com o Pe. Espiritual. Ainda há terço na bênção.
Está chovendo, capaz que rezemos a ladainha longe da gruta.
N.B. Hoje acabamos o livro de Crítica. Bacharéis em Crítica “na
marra”. Primeira vez na história que isso acontece. Fato singular.
(?!? Não tenho idéia do que seria tão
singular)
De pé: Paulo Nogueira, Claret, Júlio, Beltrame, Von Zubem.
Agachados: Boteon, Rizzo, Eu, Faur.
No recreio da noite reunimo-nos, os primeiranistas de Campinas. O
Faur falou-nos do movimento iniciado pelo Bento para união de nossa
classe. Cada Diocese terá um representante entre os organizadores do
movimento. Muito boa idéia. Faur, eleito nosso representante...
Depois, conversa vem, conversa vai, surgiu o caso Ildefonso, como
Presidente do Grêmio... Ah! Chasseraux !? (leia-se “chasserô”)
Ô ... (esse ‘caso’ era uma disputa
interna para eleição para Presidência do Grêmio; não me lembro
qual a vantagem de ter esse controle?!)
Dia 29 (de outubro de 1959)
É. A inauguração gorou. Choveu a manhã toda. Aposto que se
marcasse a hora para a tarde choveria o dia inteiro. Mas, como não
foi, à tarde parou de chover e nós simulamos um futebol de salão.
Quem sabe será dia 2... É como seu Waldemar (ele
era o “faz-tudo”) disse: aqui é bobagem marcar
data, é inaugurar num dia qualquer.
Dia de limpeza. Não trabalhei, ainda bem.
Após a janta, o Pe. Leocádio disse que, com chuva ou sem chuva,
a inauguração seria amanhã. Resolveram também fazer o campo de
malha
Dia
30 (de outubro de 1959)
|
Houve a inauguração do campo de basquete. Estiveram
presentes também o Sólon e o Chad. (candidatos
à prefeitura que devem ter contribuído para a construção do campo
em troca de promessa de votos; o Sólon venceu a eleição)
Joguei entre os reservas, mas joguei. Ganhamos de gosto.
Da reunião dos padres, o que saiu? Incógnito.
À tarde, depois do jogo: (Reunião
do) Grêmio de Despedida do 3º ano e eleição da nova
diretoria: Chasseraux, Schiratto e Ditão. Inda bem que não fui
eleito...
À noite, prédica do Pe. Jair. Que sono!!!
Consegui guardar que ele falava sobre a mentira. Frase: Quem diz que é tímido já deixa de ser, “ipso facto”.
Consegui guardar que ele falava sobre a mentira. Frase: Quem diz que é tímido já deixa de ser, “ipso facto”.
Dia 31 (de outubro de 1959)
Pe. Glauco, atrasado na missa. (Pe.
Glauco de Nogueira Prado, da Diocese de Campinas, era professor de
Metafísica)
Atenção: deixemos o leme a Maria. Completo abandono!
A Metafísica também já se foi. Arre! Bacharéis !?! Dia
sorumbático (uáu!),
“chove não molha”, café com leite, céu plúmbeo (=
cinzento - uáu!). Péssimo para estudar. Ótimo para
visitar o reino de Morfeu e nele demorar-se.
Houve uma comemoração do aniversário do Pe. Glauco, a se
realizar dia 2. No seu agradecimento ele desejava que nós
pudéssemos, depois de padres, celebrar o nosso aniversário, passar
um ano no seminário, passados 10 anos da ordenação.
Agora está chovendo mas o tempo está o mesmo, muito convidativo
para as cobertas.
Dia 1 (de novembro de 1959)
O dia amanheceu um pouco mais sorridente que ontem; choveu um
pouco mas parou, permitindo que se jogasse cedo e de tarde também.
O São Paulo jogou em Jaú com o 2º time: 0 x 0, 14 pontos
perdidos.
À noite, abertura do retiro. Não sei quem é o padre. Depois,
nas Completas, houve muita farra.
Reunião de Campinas, às 10 horas, inacabada ainda. Fui
encarregado das atas e arquivamento do material. Pontos ponderados:
(1) visita dos sextanistas - repercussão boa; preconceitos, não;
ano que vem, fazer convite a cada seminário; (2) livro de atas,
encarregado, etc. (3) votação de coordenadores: Beltrame, Faur e
Rizzo; escolha dos componentes, ano que vem; (4) carta do Nadai; (5)
especializações: outra ocasião. O Júlio ainda tocou sobre as
eleições no Grêmio: novos rumos; queríamos fazer Ildefonso subir,
para subir o Claret a cerimoniário. É, esse mundo é sempre o
mesmo. Invencionices, até no seminário.
Dia 2 (de novembro de 1959)
Dia de Finados. Feriado. Missa cantada. 1ª prédica: humildade é
abandono, disponibilidade nas mãos de Deus; infância espiritual,
como diz bem o Monge Cartuxo no livro “Silêncio com Deus”.
2ª Prédica: pode-se resumir nas palavras de São Paulo: “Quer
comais, quer bebais, quer façais qualquer coisa, fazei sempre a
vontade de Deus”. Vida cristã vivida, oferecida a Deus, nos
recreios, etc.
À tarde, “bodera das boderas”... Não queria sair e jogar não
podia...
Na bênção, fim do mês de outubro, ladainha cantada. Nihil
novi.
Dia 3 (de novembro de 1959)
O dia nasceu bem sorridente, esparzindo (uau!)
boa psiqué a todos; à tarde, porém, choveu um pouco. Pe.
Claudino: todos os trabalhos científicos, até 1/2 noite
de hoje, devem ser entregues. Passei a manhã inteira a passar a
limpo o meu. 6 folhas. Será que o padre vai ler?
Treino. Que mixaria. Bola nova, escorregadia; um pouco de chuva,
chão molhado, consequência: futebol péssimo. E parece que o
Sílvio, amanhã, aí estará. Nem hoje pude jogar basquete, santo
deus
(ganhei nota 9, do Pe. Claudino, que lecionava História da Filosofia)
(ganhei nota 9, do Pe. Claudino, que lecionava História da Filosofia)
Preciso começar a estudar com afinco, hein?
Alô, alô! Aniversário da morte de Gonçalves Dias. 95 anos
atrás morreu o maior poeta brasileiro. (quem
disse que eu gostava só de basquete, cinema, etc.)
Dia 4 (de novembro de 1959)
O dia amanheceu radiante. Até a natureza se alegra com o
aniversário, 1º, da coroação de SS o Papa João XXIII. Que
Papa!!! A simplicidade e bondade chegaram, e nele pararam. Já
publicou 2 Encíclicas, pronunciou mais de 100 discursos, convocou o
Concílio Ecumênico de 60. Quebrou tudo quanto é protocolo (tudo
não, mas boa parte). Para cada época Deus suscita um Papa próprio.
Este calhou muito bem. “Ad multos annos ...!”
Comecei a estudar com afinco. Vi alguns pontos da Apologética.
(Acabei com o “Príncipe de Nassau”. Êta Paulo Setubal, mecê é
g_r_ande). (Paulo Setubal era o pai do
Olavo Setubal, do Banco Itaú. Foi escritor e poeta. Li, na época,
vários livros dele. Ele escreveu muito sobre as fraquezas dos
governantes, seus casos amorosos. O livro mais famoso, que virou
novela: A Marquesa de Santos. Parece que não teve muita importância
no nascimento da empresa. Os maiores méritos foram de Paulo Egídio
de Souza Aranha, tio do Olavo)
O Sílvio veio com seus rapazes. Somente 6 x 0 foi o placar. Para
nós, é claro.
Arre! Hoje joguei basquete. Cedo, uns vinte minutos. Fiz 10 pontos
para o quadro, e a queda ia até 12. À tarde, 1 hora e meia mais ou
menos. Que canseira... (a palavra
‘queda” significava um jogo com um objetivo estabelecido, no
caso, 12 pontos; nas peladas do futebol ainda tem muito disso, tipo 2
vira e 4 termina. Isso é uma ‘queda’)
Dia 5/XI/59
Dia muito ‘realizado’. Estudei muito.
À tarde, basquete. Foi o dia que joguei mais e melhor. Fiz sextas
(ops! = cestas) pra valer.
Gostei especialmente desta: peguei uma bola muito alta, saí do
garrafão, fiz uma pequena “parábola” e atirei de gancho, “sem
guspe”. (= sem relar no aro do cesto).
À noite, que canseira! E o calor?!
Dia 6/XI/59
Ah! Ah! Primeiro dia de exames... Comunhão... Aquela série já
acabou, é bom começar outra.
E pensar que ainda tem um mês de preocupações. Enfim, tudo
passa... (acredito que essa “série”
acima citada era um tipo de novena, era comungar 9 sextas-feiras
seguidas, acho; a recompensa seria ganhar indulgências, talvez;
note-se que ‘indulgências’ eram tidas como ‘créditos’ para
diminuir o tempo de estada no Purgatório, se fosse o caso)
Dia 7/XI/59
Exames, ainda. Biologia: 15 para escolher 10. Não foi difícil
não. Fui muito bem.
Apologética: escolher entre Evolucionismo e conclusões do
poligenismo e monogenismo; falar sobre Pasteur. Não foi difícil
também. Quem deu foi Mons. João. Mons. Luís não estava.
Vieram aí os Irmãos Lassalistas jogar vôlei. Nem teve graça.
Pe. Galvão também jogou para eles. Que milagre ter ele vindo!
Dia 8/XI/59
Que lugar que ocupo? Trigo ou cizânia... ?
Preciso começar a estudar com afinco, agora, as filosofias...
Pe. Abib falou-nos cedo: “terninho” (no
próximo ano deixaríamos de usar batina o dia todo e usaríamos
terno), estudos. E à tarde não quis dar televisão:
tomar ar! ...
Êta São Paulo: 3 x 2 contra a Portuguesa; contra o Corintians,
quinta: 4 x 0; “show” de bola. Santos perdeu do Jaú: 1 x 0;
Coríntians, do Taubaté: 2 x 1. Colocação: Santos 8; Palmeiras 10;
Ferroviária 11; São Paulo 14; Coríntians (?) 20. (a
colocação era por Pontos Perdidos,
assim, o Santos estava em primeiro lugar).
Não houve Vésperas (= hora
canônica, oração que devia ser rezada à tarde). Nem
missa cantada.
Dia 9/XI/59
Aulas, novamente. Balas do Pe. Claudino; muito obrigado, seu
padre.
Ontem, na convenção da UDN (=
partido político, União Democrática Nacional), Jânio
Quadros recebeu 205 votos para sua candidatura (à
Presidência da República), contra 83 de Juraci
Magalhães.
“Testemunha de Acusação”, surpreendente
filme, simplesmente espetacular. Ótimo para tempo de exames. Pesado
para crianças. Na técnica, perfeito. Em branco e preto. Desempenho
espetacular dos artistas: Marlene Dietrich, Tyrone Power, Georges
Laughton (Ops! Charles
Laughton), Elza Lanchester... Direção e roteiro de
Billy Wilder.
Esse valeu por todos os do 2º semestre: Irmã Alegria, Joselito,
Tempos Modernos e Desejos Ocultos. Somente o fim que é um pouco
contra a ética. A justiça é enganada. Depois, no estudo, de que
jeito estudar?!
Dia 10/XI/59
Ah! Daqui a 30 dias, vou te dizer... Aulas.
Parece que Jânio Quadros “abafou a banca” com seu discurso
pois até o Mons. João considerou-o como literato. 50º aniversário
de Menotti del Pichia (esse literato era
muito ligado à música sertaneja, de raiz).
Acabei de ler “Ensaios Históricos”. Agora é a vez das
poesias: “Alma Cabocla”, que poesias gostosas, 100º nacionais,
interioranas! É admirável: “Chego ... que festa infinita ...
etc.”
(foto de Paulo Setubal - esclarecendo: é
a segunda vez que cito essa poesia. Por que ficou na minha memória.
A razão é a seguinte: quando eu estava no 1º ano do ginásio, no
Seminário de Sorocaba, o professor de português me mandou ler em
voz alta essa poesia para toda a classe, pois eu tinha uma boa
leitura. Segue a primeira estrofe: “Chego, que festa infinita,
Todos me querem bem, Até a pobre da Nha Chica, com seu vestido de
chita, corre a abraçar-me também”. Retrata a chegada de Paulo
Setubal à fazenda de sua família, quando criança. Se alguém
quiser ler algumas obras dele, de graça, acesse o link abaixo)
Dia 11/XI/59
Na meditação, acabei o “Silêncio com Deus”. Grande livro.
Faz parte da oportuníssima e espetacular “Coleção Éfeso”. É
a vida espiritual na sua simplicidade e profundidade. “Virtus in
médio” (a virtude está no meio
termo): nem exagero de humanismo, nem de
espiritualismo.
Ah, seu Daólio! Nas horas vagas quase acabei com o livro “Noites
das Ilhas”. É capaz que eu acabe hoje mesmo.
Enfim, ó aulas adeuzinho” “Viva a nossa escola, que a aula já
acabou, a turma deste ano esgotada já ficou”, foi o que escreveram
na lousa.
Falei com o Pe. Abib. Vários assuntos. Acha ele que sou um tanto
fechado. Tem razão. Sou-o. Aproveitei falar do caso da Aeronáutica
e do Aroldo. (não lembro do que se
tratava). Em nada deu pois estava
frio (não o tempo e, sim, o
assunto) e sem preparação
próxima. Falhou fogo.
Parece que vamos pôr o “terninho” uns 3
dias antes de irmos para casa. (até
então usávamos batina diariamente e iria cair para o próximo ano)
É melhor mesmo ir já treinado.
O Pe. Leucádio falou-nos – “cuíca”
(= quiçá) pela
última vez: horário de preparação, viagem, missa do 3° ano,
silêncio nos estudos.
Dia 12/XI/59
1° dia de preparação.
Êta Paulo Setúbal, cada verso; por exemplo: “Em tudo quanto eu
diviso, Há tal brilho, tal clarão, Como se, do paraíso, Deus
acendesse um sorriso, em cada ervinha do chão” (“Vida Campônia”)
Dei uma tremenda joelhada no chão do campo de basquete. Está
doendo muito. Houve jogo de basquete contra os sextanistas cariocas,
que hoje aqui vieram. 6 x 6. Só o 1° tempo. Chuva...
Pedi para o “Bastião” comprar uns livros em São Paulo, na
Loja Americana, mas ele não encontrou: xadrez e basquete.
Está chovendo todos os dias, agora.
Dia 13/XI/59
Preparação. Missa do Pe. José Maria Peres (Zequinha). Parece
que o Pe. Mucciolo “est hic”. Tiramos umas fotos “cum illo”.
(Reitor no Seminário de Sorocaba, atual
Arcebispo Emérito de Botucatu)
(colocar foto?)
Abstive-me de esportes por causa do joelho que não anda lá muito
bom. Em compensação aproveitei escrever à máquina os boletins e
as cópias daquele jogo de fotografias (?).
Escrevi para a Gertrum Carneiro (Editora
de livros de bolso) só que não
pude enviar hoje. Só se pode sair em 5ª feira.
Pe. Jair, à noite, ficou bravo por causa da conversa durante a
prática. Não serviu-me a carapuça.
Dia 14/XI/59
Mendonça levou a carta. De resto, tudo normal. Preparação. À
tarde o 3° ganhou do 2° no basquete. Não sei de quanto. Uns 10
pontos de diferença.
Esqueci-me de dizer que comecei a ler “Valor Divino do Humano”
(de Jesus Urteaga, Opus Dei, um daqueles
livros ‘obrigatórios’ da época, tinha que ler...),
ontem; espetacular, parece-me. Paulo Setubal já se foi, também. (=
acabei de ler o livro dele)
Dia 15/XI/59
Joguei no gol para o Santos (uau!)
. Perdemos de 2 x 0. O 1° não deu para ver a bola, um petardo. O 2°
foi contra. Acabou o campeonato, mesmo sem haver os outros jogos. É
melhor mesmo.
Estou lendo “O Outro Caminho”, de João Mohana. (outro
livro ‘obrigatório’; esse autor era um médico que resolveu ser
padre, foi para o seminário de Viamão, RS, e escreveu o livro
quando ainda era seminarista)
Muito bonito. Mostra como a vida do padre não é caminho de flores,
mas de espinhos, com poucas consolações.
Resultados de hoje: São Paulo jogou
bola-ao-cesto com o Comercial, em Ribeirão Preto: 4 x 4. Palmeiras
ganhou da Ferroviária, em Araraquara: 3 x 0. Santos 4 x 0 com o
Nacional. Corintians (“mirabili dictu”) (=
coisa improvável de ocorrer)
ganhou do Jabuca (Jabaquara) em
Santos: 1 x 0. Portuguesa apanhou do Taubaté: 2 x 1.
Dia 16/XI/59
Nada de incomum. Houve 3° x 2° ano. O 3°, mesmo sem o Reinaldo,
venceu por 3 x 0. Agora ainda vai jogar conosco.
Mesmo não muito bom arrisquei-me a jogar basquete. Piorei. Fui
dormir depois do recreio do jantar.
À noite, saiu a bomba. Faur mostrou-me uma
cartinha de D. Paulo (de Tarso
Campos, Bispo de Campinas). Não
vamos tirar a batina nas férias. “Faiô”. Ah, meus planos...
Também, vou jogar xadrez as férias todas. Resolvi passar umas 2
semanas (pelo menos) no sítio. Vida de prego é tomar pancada e... o
buraco.
Dia 17/XI/59
Ainda preparação. Fiquei na cama. Pe.
Leocádio foi me “visitar”. Era febre. Levantei-me na hora do
café mas não aguentei. Deitei na hora do 1° estudo. O “Dito
Furado” (ele tinha um furinho
na bochecha esquerda – tempos de politicamente incorreto)
deu-me Sulfacilin para tomar. É aquela doença da perna (canela).
Dia 18/XI/59
Leocádio fez-me visita. Aconselhou-me a ir
ao médico. Mas, de que jeito. Com esse estado? O “Dito”
mandou-me para baixo após o café. Vou para o quarto do Reinaldo,
que está com a perna engessada (era
uma enfermaria provisória num dos quartos da ala dos padres).
À noite parece campo da Light (antiga
concessionária de energia elétrica)
aquele quarto. Vagalumes por toda parte.
São Paulo jogou com Juventus: 2 x 2. Marcou os 2 gols nos 3
últimos minutos de jogo.
Houve um jogo de vôlei, de estréia, no campo pintado na quadra
de basquete, ontem.
Dia 19/XI/59
Rápidas melhoras. Vou fazer o exame de Crítica. Boa, Pe.
Claudino. Deu aquela tese da Demonstração. Fui muito bem. Graças a
Deus.
O Pe. Glauco, que prometeu mundos e fundos, “faiô”. Será,
Pe. Abib?
Estudei Metafísica o resto do dia. Há muita gente estudando de
noite. Eu, por enquanto, não preciso fazer isso. Já fui almoçar no
refeitório...
Dia 20/XI/59
Metafísica! Nome terrífico. Um tanto mal preparado, mas fui.
Saí-me bem. Creio que não fui um dos que tiraram 3, 4 e 4,5. Acho
que uns 7 dá para tirar. Que argumento inventei para a prova do
Fundamento Intrínseco ...! Vou te contá!
Melhorei bastante. À tarde fiz o conto: “O
apito do trem”. (a casa de
minha família, em Amparo, ficava parede-e-meia com a estação da
Mogiana e, quando se ouvia 3 apitos seguidos era sinal de desastre na
linha; por isso o nome do conto)
Dia 21/XI/59
Estou bom. Só não joguei por precauções. Não subi ainda.
Exame de Literatura. Era só entregar. Eu, porém, passei a limpo
durante o tempo dedicado ao exame.
Dia 22/XI/59
Veio Romaria de Amparo. Ninguém de casa,
nem da do “Onça” (Domingos
Jorge Velho). Só o padre
Alberti.
Joguei basquete. Por sinal saiu um jogo + ou -. Choveu um pouco, o
que veio a estragar um pouco. Ganhamos de 21 x 20.
Vários jogos de campeonato. São Paulo 2 x
Guarani 0 (Campinas); Santos 5 x Portuguesa 1. São Paulo está com
16 p.p., 4° lugar. (na época a
classificação era por pontos perdidos)
Dia 23/XI/59
Dormi lá em cima, de novo. Exame de
Introdução (à Filosofia):
bem “chatinho”, hein! Acho que deu para se salvar.
Jogamos basquete com o 3°; perdemos de 30 x 14. Eles estavam com
um rabo! Principalmente o Raul. E o juiz... Quase mataram o Júlio.
Peguei a bola, certa feita, escapei livre e, quando fui pular para
jogar... pum ... fui de costas para o chão ... Só que bati o
cotovelo. Se não tivesse osso duro ...?!
Dia 24/XI/59
Preparação para os (exames)
orais. Mas, como estudar? Nem
peguei um livro de estudo. Entregaram as folhas de psico-patologia.
Houve jogo do 3° contra o resto, no campo do Aparecida (E.C.).
Não fui nem assisti. Perdemos de 4 x 2.
Dia 25/XI/59
Chuva o dia inteiro. Que desânimo!... Estudei, com muito custo,
mas estudei.
Dia 26/XI/59
Que bomba! Jânio retirou a candidatura. E
por causa dos vices – Ferrari e Leandro. Uma das maiores bombas
deste tempo. Mas creio que é golpe... “videbimus” (=
veremos). (E
foi golpe mesmo pois se candidatou e venceu a eleição em 1960)
Inda bem que a chuva parou um tempo e deu para sair um jogo de
basquete: 42 x 32 para nós. A contagem mais alta até agora...
Palmeiras ontem ganhou do Coríntians: 3 x 0.
Dia Nacional de Ação de Graças: cantamos
o Te Deum de Perozi. “Gratias tibi, Deo meo ...” (Agradeço
a ti, meu Deus”
Dia 27/XI/59
Primeiro dia de exames orais: só do 3° ano. Na missa
“pontifical”, cedo, o Pe. Celebrante, ao falar “Orate, Frates”
só ouviu mesmo a resposta do que estava ajudando a missa. A
comunidade...
Dia 28/XI/59
Exames do 1° ano. Crítica.
O São Paulo, por incrível que pareça, perdeu do “lanterninha”,
Comercial, com o time completo (Mauro ...): 2 x 0.
Dia 29/XI/59
Assistimos o jogo inteiro: Palmeiras 5 x Santos 1. (nessa
época o Palmeiras tinha um bom time e às vezes surpreendia o Santos
que já contava com o Pelé) Custou, mas o Palmeiras
jogou bem uma vez.
Dia 1/XII/59
Fiz meu primeiro exame: Crítica – “Fundamentum Universalis”.
Saí-me bem. Introdução, antes das 3 horas. Não fui muito bem mas
o trabalho científico salvou um pouco: 9.
Dia 2/XII/59
São Paulo x Nacional: 2 x 1. E olha lá!...
Dia 3/XII/59
Exame de Metafísica, às 9:15. Fui muito bem. These: I.
O Palmeiras faiô... 1 x 1 contra a Portuguesa.
Dia 4/XII/59
Alguns já estão de férias
Dia 5/XII/59
Precisamente às 9:15 entrei em férias ... mesmo teoricamente
pois praticamente ...
O DIÁRIO SÓ FOI RETOMADO EM 10 DE FEVEREIRO DE 1960
2° ANO DE FILOSOFIA EM APARECIDA DO NORTE
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