domingo, 12 de agosto de 2012

DIÁRIO APARECIDA DO NORTE - 1959


1º ANO DE FILOSOFIA EM APARECIDA DO NORTE - 1959
  
Surgiu-me à idéia: e seu eu fizesse um diário? Esse pensamento amadureceu, e eis eu tentando hoje dar início ao meu diário (sic!). Não sei se sairá bom. Tentemos, porém, pois, como diz o ditado, “quem não arrisca não petisca”.



Dia 2 (de fevereiro de 1959)
Deparei com um enorme seminário. 4 andares! Tão grande era a alegria, que nem lembrei se adaptava ao meu caso, agora, o começo daquela poesia de Paulo Setubal: “Chego! Que felicidade imensa! Todos me querem bem!”, etc. E o meu anjo? Sim, lá vem ele, o Baldini, pequeno como o “Zaqueu” lá de Campinas (quem seria esse Zaqueu... não me lembro, talvez fosse o Sebastião Valin). Apresto-me para subir ao 4º andar, o dormitório. A “escadite” já me começa a atacar as pernas, única coisa que causou algum desapontamento. Revi os antigos, conheci alguns novos. Assim se passou a primeira tarde neste seminário, entre risos e abraços.
Dia 3 (de fevereiro de 1959)
Depois da missa e do café, apresto-me (uáu!) para jogar, mas ouço dizer que os novos têm licença para sair. Embora não tenhamos de subir escadas, Aparecida é cheia de ladeiras, pelas quais temos que subir para chegar à Basílica; único meio é fazer uma forcinha. Depois de visitar a Basílica e comprar um livro na livraria, volto. A comida está bem gostosa no refeitório, à nossa espera. Aliás, até agora, a comida está ótima. À tarde, após 1 mês e meio sem por o pé na bola, fui jogar com os outros do 1º ano. Que canseira! Mesmo assim, tive que subir algumas vezes ainda os “110” (degraus). À noite houve o “enxuga lágrimas” (!?).
Dia 4 (de fevereiro de 1959)

O sono não deu para descansar, e levantei cansadíssimo. Fiz a resolução de não jogar futebol; mas, veio a tentação e caí; eis eu entrando a campo à tarde. Mesmo estando mais cansado do que no dia anterior, joguei com mais disposição, e melhor. Antes do almoço o nosso Reitor (Mons. Abib) falou-nos sobre a direção que era dada aos seminaristas maiores, e salientou o espírito de responsabilidade que todos devem ter no seminário maior, já que a vigilância não existe quase. À noite foi aberto o retiro. Pretendo escrever, nos dias de retiro, um resumo das práticas e meditações feitas pelo nosso Diretor Espiritual, Pe. Jair (o tal que pregava, antes da saída de férias, o “cuidado com as primas”).
Dia 5 (de fevereiro de 1959)
1ª Prática: A salvação da nossa alma é (a) negócio importante; (b) o mais importante; (c) o único importante. (a) negócio importante: nem precisamos de muitas considerações para chegarmos a tal idéia; (b) é o mais importante: o nosso corpo é corruptível, mortal; a nossa alma é imaterial, incorruptível, imortal. Assim, devemos lutar por um fim que nos é melhor, isto é, a salvação de nossa alma, que viverá para sempre; (c) o único importante: o demônio, quando nos tenta, as tentações são todas endereçadas para a perda de nossa alma somente, não do corpo, pois sabe que é a alma a única coisa imperecível em nós; portanto, a salvação da nossa alma é a única coisa importante na nossa vida, de importância absoluta, havendo coisas importantes, mas relativamente.
2ª Prática - “Omnia facta sunt propter homines”, diz Sto. Inácio. “Todas as coisas foram criadas por causa do homem”, não para o homem. Todas as coisas que existem são boas ou más, conforme as circunstâncias. Qual então a norma para usarmos as coisas de maneira a que sejam boas? Sto. Inácio, nos Exercícios Espirituais - que estamos seguindo neste retiro - exprime a maneira de usá-las e a intensidade com que se deve usá-las por 2 advérbios: “tantum, quantum”, “tanto, quanto”. Assim, por exemplo, devemos usar da comida tanto quanto seja necessário para nosso sustento e para que desempenhemos nossa missão de salvar nossas almas; assim, se usarmos bem os alimentos eles nos darão forças para cumprirmos os nossos deveres, etc. Porém, se dele usarmos mal, só nos servirá para nos incomodar e prejudicar. Não só devemos usar (ou contemplar, ver, etc.) a natureza como também seguir-lhe os exemplos de servir a Deus que nos dá. Assim, bem usada a natureza, ela nos ajudará a alcançar o nosso fim; salvar a nossa alma, ir para Deus.
3ª Prática: Se a salvação da alma é o único negócio importante, a perda da graça divina é a única coisa que devemos temer realmente. Como que perdemos a graça divina? Pelo pecado. Assim, o pecado é a maior e única coisa de que nos devemos afastar. O que é pecado? É o afastamento de Deus pelo uso errado de uma criatura, apegarmo-nos a uma criatura. Assim, afastados de Deus, que é nosso arrimo, perdemos tudo, pois Deus se afastará também de nós. Mas não nos devemos desesperar. Jesus veio à terra apagar a nossa dívida que havíamos contraído com Deus. Ficamos assim suavizados com aquelas palavras: “Os pecados serão perdoados a quem vós perdoardes”. Portanto, a confissão não é uma coisa terrífica pois é ali que a bondade perfeitíssima de Deus se manifesta.
Dia 6 (de fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: inferno)
1ª Prática: A consequência mais palpável, na terra, do pecado de Adão é a morte, que como que concentra todos os castigos da desobediência de Adão. Quase sempre quando falamos na morte sentimos certo temor. Várias são as razões que se aduzem para explicar esse temor natural: 1 – a morte é a separação de coisas que gostamos muito, por vivermos muito tempo juntos com essas coisas; 2 – a morte é um mistério pois não sabemos o que acontece depois, etc.; 3 – a morte é o passo definitivo; se nele falharmos, iremos ao inferno. A morte, embora seja coisa certíssima, é incerta quanto às circunstâncias; não sabemos nem a hora, nem o modo, nem o lugar, etc., onde iremos morrer. Por isso devemos estar sempre preparados para morrer para que, quando chegar a nossa hora, não dermos o passo em falso.
2ª Prática: Se o maior mal é o pecado mortal, nem por isso o venial não é uma ofensa a Deus não. O pecado venial não é uma aversão total a Deus, mas um desvio. Com o pecado venial não perdemos a graça santificante. Ele é como a lepra que não tira a vida instantaneamente mas causa morte depois de certo tempo; assim muitos pecados veniais deliberados levam-nos ao pecado mortal. Além disso, os pecados leves podem nos levar ao pior estado da alma, a tibieza; essa tibieza é tão detestada por Deus a tal ponto de dizer: “Pois que não és quente nem frio eu te vomitarei pela boca”. Por isso devemos evitar com todas as veras (uau!) de nossa alma essas ofensas e injúrias à bondade em pessoa, Deus.
3ª Prática: Deus, ser perfeitíssimo, tem todas as virtudes em grau perfeitíssimo, todas iguais. Mas, com relação aos homens, a maior virtude de Deus é a misericórdia. Que de atos de misericórdia! ... Essa virtude alcançou o auge com a encarnação pois Deus, ser infinito, vem se sacrificar, morrer com morte horrorosa, tomando corpo humano, para salvar as suas mesquinhas criaturas e ingratas, não reconhecidos dos favores por Ele feitos.
Dia 7 (de fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: pureza de coração)
1ª Prática: Quando quisermos praticar a virtude devemos tomar como modelo Nosso Senhor. Não que possamos imitar-lhe as virtudes, que nele são em grau infinito, mas que possamos nos aproximar o mais possível da perfeição. Uma maneira prática de bem agirmos é essa: quando estamos para fazer uma ação, perguntamo-nos: se Nosso Senhor estivesse no meu lugar, o que faria?
2ª Prática: A obediência é muito importante para o seminarista não só porque, treinando aqui, facilmente obedecerá mais tarde ao Bispo Diocesano, mas também porque a obediência nos leva aos píncaros (UAU!) da perfeição; assim, o caminho mais fácil (!) para a santidade, isto é, o único caminho é a obediência à vontade de Deus Pai; quem faz a vontade de Deus já está bem adiantado na sua vida espiritual; em quem, aonde está a vontade de Deus? Nos superiores legitimamente constituídos, tanto civis como religiosos; aqui no seminário a vontade de Deus se manifesta pelos padres superiores, diretores da casa; a eles pois devemos obedecer incontinenti.(uau!)
3ª Prática: O retiro serve para vermos as nossas principais falhas e fazer propósitos de corrigi-las. Mas não adianta tomar muitos propósitos, que não venhamos a cumprir, nem propósitos futuros, para os tempos que formos padres; devemos tomar poucos propósitos, práticos e atuais.
Dia 8 (de fevereiro de 1959)
(Meditação em particular: Piedade)
1ª Prática: A devoção eucarística é muito importante para os padres pois a vida do padre, e do seminarista, é rondar o sacrário, onde acharão o sustento para as lutas da vida. A visita ao SS é coisa muito importante, hora em que nós iremos contar a Nosso Senhor, como um amigo que Ele é realmente, as nossas vicissitudes (!) e vitórias. Não deixemos Jesus solitário, mas visitemo-lo, que ele assim o quer.
2ª Prática: Já que estamos no fim do Ano Centenário das Aparições em Lourdes, seria bom dedicarmos uma prática a essas manifestações celestiais. As visões de Bernadete nos vieram avisar para que façamos estas duas coisas: orar e penitenciar-mo-nos. Nossa Senhora veio recomendar essas duas coisas, pela conversão dos pecadores. Aliás, nas 3 últimas manifestações de Nossa Senhora, em Salete, Lourdes e Fátima, ela pediu que rezássemos muito pela conversão dos pecadores pois “não pode mais sustentar o braço de seu Divino Filho”. Rezemos especialmente o terço, muito recomendado por Nossa Senhora e façamos penitências e mortificações nessa intenção.
Dia 9 (de fevereiro de 1959)
Encerramento do retiro; o Pe. Espiritual deu o “Deo Gratias” no refeitório; no fim do café o Beni agradeceu ao Pe. Jair. Tinha sido dada, após a Santa Missa, a bênção papal. Agradeço a Deus esse retiro. (?!)
Dia 10 (de fevereiro de 1959)
Nihil novi” (Nada de novo)
Dia 11 (de fevereiro de 1959)
Palestra do Pe. Leucádio (Ministro da Disciplina). Esteve aí o Pe. Araújo (do Seminário do Ipiranga) “célebre” pelas suas distrações.
Dia 12 (de fevereiro de 1959)
Início das aulas. Celebrou missa cedo S. Excia. D. Macedo. Após uma “lectio brevis” (Aula Inaugural), feita pelo Pe. Claudino, houve o jogo dos velhos contra os novos, vencendo os velhos por 5 x 2. Nenhum dos 2 times esteve bom, saiu um jogo “chato”.
Dia 13 (de fevereiro de 1959)
Começaram as aulas. Na missa faço o propósito de fazer outro período das 9 primeiras sextas-feiras (o que seria isso?). Depois encontramo-nos com a Filosofia. Muito confuso, no começo.
Dia 14 (de fevereiro de 1959)
Umas dores fazem-me pensar que estou com apendicite; por isso me abstenho (!) do futebol. Nas aulas, ouvimos uma coisa sobre a qual muito falamos: “gateitas”. (o professor, para explicar a essência das coisas, utilizava a expressão acima para significar qual seria a essência de um gato). Parece que vou entrar na “Schola Chantorum” (=coral). Aulas de Biologia, só depois, em março.
... FAIÔ ...


(Essa foi a primeira tentativa de fazer um DIÁRIO... teve continuação, 7 meses depois)


Dia 28 (de outubro de 1959)
É bom já começar, não?
Mas por que neste dia? Alguma data especial? São Judas Tadeu? Nem uma, nem outra coisa. É só isto: resolvi começá-lo (o diário) no dia em que estivesse terminado o campo de basquete, e, “eis-me aqui”. O jogo de estréia será amanhã. Irei jogar? Creio que não.
Fatos do dia? Primeiro, sermão. Eufasia, “seu” Daólio. (eufasia, do grego, comunicar-se bem com os outros). Jogo de futebol: Juventus e Santos. (campeonato interno) Não acabou o jogo. Falta 20’. Furou a bola. Jogamos furiosos pois o 1º gol deles foi em claro impedimento. Está 2 x 1 para eles. São Paulo ganhou: 2 x 1. (campeonato paulista)
No estudo, ainda o trabalho científico. Existencialismo: Kierkegaard, Heiddeger, etc., etc.
Vou falar com o Pe. Espiritual. Ainda há terço na bênção. Está chovendo, capaz que rezemos a ladainha longe da gruta.
N.B. Hoje acabamos o livro de Crítica. Bacharéis em Crítica “na marra”. Primeira vez na história que isso acontece. Fato singular. (?!? Não tenho idéia do que seria tão singular)
De pé: Paulo Nogueira, Claret, Júlio, Beltrame, Von Zubem. Agachados: Boteon, Rizzo, Eu, Faur.

No recreio da noite reunimo-nos, os primeiranistas de Campinas. O Faur falou-nos do movimento iniciado pelo Bento para união de nossa classe. Cada Diocese terá um representante entre os organizadores do movimento. Muito boa idéia. Faur, eleito nosso representante... Depois, conversa vem, conversa vai, surgiu o caso Ildefonso, como Presidente do Grêmio... Ah! Chasseraux !? (leia-se “chasserô”) Ô ... (esse ‘caso’ era uma disputa interna para eleição para Presidência do Grêmio; não me lembro qual a vantagem de ter esse controle?!)


Dia 29 (de outubro de 1959)
É. A inauguração gorou. Choveu a manhã toda. Aposto que se marcasse a hora para a tarde choveria o dia inteiro. Mas, como não foi, à tarde parou de chover e nós simulamos um futebol de salão. Quem sabe será dia 2... É como seu Waldemar (ele era o “faz-tudo”) disse: aqui é bobagem marcar data, é inaugurar num dia qualquer.
Dia de limpeza. Não trabalhei, ainda bem.
Após a janta, o Pe. Leocádio disse que, com chuva ou sem chuva, a inauguração seria amanhã. Resolveram também fazer o campo de malha

Dia 30 (de outubro de 1959)
Houve a inauguração do campo de basquete. Estiveram presentes também o Sólon e o Chad. (candidatos à prefeitura que devem ter contribuído para a construção do campo em troca de promessa de votos; o Sólon venceu a eleição) Joguei entre os reservas, mas joguei. Ganhamos de gosto.
Da reunião dos padres, o que saiu? Incógnito.
À tarde, depois do jogo: (Reunião do) Grêmio de Despedida do 3º ano e eleição da nova diretoria: Chasseraux, Schiratto e Ditão. Inda bem que não fui eleito...
À noite, prédica do Pe. Jair. Que sono!!!
Consegui guardar que ele falava sobre a mentira. Frase: Quem diz que é tímido já deixa de ser, “ipso facto”.
Dia 31 (de outubro de 1959)
Pe. Glauco, atrasado na missa. (Pe. Glauco de Nogueira Prado, da Diocese de Campinas, era professor de Metafísica)
Atenção: deixemos o leme a Maria. Completo abandono!
A Metafísica também já se foi. Arre! Bacharéis !?! Dia sorumbático (uáu!), “chove não molha”, café com leite, céu plúmbeo (= cinzento - uáu!). Péssimo para estudar. Ótimo para visitar o reino de Morfeu e nele demorar-se.
Houve uma comemoração do aniversário do Pe. Glauco, a se realizar dia 2. No seu agradecimento ele desejava que nós pudéssemos, depois de padres, celebrar o nosso aniversário, passar um ano no seminário, passados 10 anos da ordenação.
Agora está chovendo mas o tempo está o mesmo, muito convidativo para as cobertas.
Dia 1 (de novembro de 1959)
O dia amanheceu um pouco mais sorridente que ontem; choveu um pouco mas parou, permitindo que se jogasse cedo e de tarde também.
O São Paulo jogou em Jaú com o 2º time: 0 x 0, 14 pontos perdidos.
À noite, abertura do retiro. Não sei quem é o padre. Depois, nas Completas, houve muita farra.
Reunião de Campinas, às 10 horas, inacabada ainda. Fui encarregado das atas e arquivamento do material. Pontos ponderados: (1) visita dos sextanistas - repercussão boa; preconceitos, não; ano que vem, fazer convite a cada seminário; (2) livro de atas, encarregado, etc. (3) votação de coordenadores: Beltrame, Faur e Rizzo; escolha dos componentes, ano que vem; (4) carta do Nadai; (5) especializações: outra ocasião. O Júlio ainda tocou sobre as eleições no Grêmio: novos rumos; queríamos fazer Ildefonso subir, para subir o Claret a cerimoniário. É, esse mundo é sempre o mesmo. Invencionices, até no seminário.
Dia 2 (de novembro de 1959)
Dia de Finados. Feriado. Missa cantada. 1ª prédica: humildade é abandono, disponibilidade nas mãos de Deus; infância espiritual, como diz bem o Monge Cartuxo no livro “Silêncio com Deus”.

2ª Prédica: pode-se resumir nas palavras de São Paulo: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer coisa, fazei sempre a vontade de Deus”. Vida cristã vivida, oferecida a Deus, nos recreios, etc.
À tarde, “bodera das boderas”... Não queria sair e jogar não podia...
Na bênção, fim do mês de outubro, ladainha cantada. Nihil novi.
Dia 3 (de novembro de 1959)
O dia nasceu bem sorridente, esparzindo (uau!) boa psiqué a todos; à tarde, porém, choveu um pouco. Pe. Claudino: todos os trabalhos científicos, até 1/2 noite de hoje, devem ser entregues. Passei a manhã inteira a passar a limpo o meu. 6 folhas. Será que o padre vai ler?
Treino. Que mixaria. Bola nova, escorregadia; um pouco de chuva, chão molhado, consequência: futebol péssimo. E parece que o Sílvio, amanhã, aí estará. Nem hoje pude jogar basquete, santo deus
 (ganhei nota 9, do Pe. Claudino, que lecionava História da Filosofia)
Preciso começar a estudar com afinco, hein?
Alô, alô! Aniversário da morte de Gonçalves Dias. 95 anos atrás morreu o maior poeta brasileiro. (quem disse que eu gostava só de basquete, cinema, etc.)
Dia 4 (de novembro de 1959)
O dia amanheceu radiante. Até a natureza se alegra com o aniversário, 1º, da coroação de SS o Papa João XXIII. Que Papa!!! A simplicidade e bondade chegaram, e nele pararam. Já publicou 2 Encíclicas, pronunciou mais de 100 discursos, convocou o Concílio Ecumênico de 60. Quebrou tudo quanto é protocolo (tudo não, mas boa parte). Para cada época Deus suscita um Papa próprio. Este calhou muito bem. “Ad multos annos ...!”
Comecei a estudar com afinco. Vi alguns pontos da Apologética. (Acabei com o “Príncipe de Nassau”. Êta Paulo Setubal, mecê é g_r_ande). (Paulo Setubal era o pai do Olavo Setubal, do Banco Itaú. Foi escritor e poeta. Li, na época, vários livros dele. Ele escreveu muito sobre as fraquezas dos governantes, seus casos amorosos. O livro mais famoso, que virou novela: A Marquesa de Santos. Parece que não teve muita importância no nascimento da empresa. Os maiores méritos foram de Paulo Egídio de Souza Aranha, tio do Olavo)
O Sílvio veio com seus rapazes. Somente 6 x 0 foi o placar. Para nós, é claro.
Arre! Hoje joguei basquete. Cedo, uns vinte minutos. Fiz 10 pontos para o quadro, e a queda ia até 12. À tarde, 1 hora e meia mais ou menos. Que canseira... (a palavra ‘queda” significava um jogo com um objetivo estabelecido, no caso, 12 pontos; nas peladas do futebol ainda tem muito disso, tipo 2 vira e 4 termina. Isso é uma ‘queda’)
Dia 5/XI/59
Dia muito ‘realizado’. Estudei muito.
À tarde, basquete. Foi o dia que joguei mais e melhor. Fiz sextas (ops! = cestas) pra valer. Gostei especialmente desta: peguei uma bola muito alta, saí do garrafão, fiz uma pequena “parábola” e atirei de gancho, “sem guspe”. (= sem relar no aro do cesto).
À noite, que canseira! E o calor?!
Dia 6/XI/59
Ah! Ah! Primeiro dia de exames... Comunhão... Aquela série já acabou, é bom começar outra.
E pensar que ainda tem um mês de preocupações. Enfim, tudo passa... (acredito que essa “série” acima citada era um tipo de novena, era comungar 9 sextas-feiras seguidas, acho; a recompensa seria ganhar indulgências, talvez; note-se que ‘indulgências’ eram tidas como ‘créditos’ para diminuir o tempo de estada no Purgatório, se fosse o caso)
Dia 7/XI/59
Exames, ainda. Biologia: 15 para escolher 10. Não foi difícil não. Fui muito bem.
Apologética: escolher entre Evolucionismo e conclusões do poligenismo e monogenismo; falar sobre Pasteur. Não foi difícil também. Quem deu foi Mons. João. Mons. Luís não estava.
Vieram aí os Irmãos Lassalistas jogar vôlei. Nem teve graça. Pe. Galvão também jogou para eles. Que milagre ter ele vindo!
Dia 8/XI/59
Que lugar que ocupo? Trigo ou cizânia... ?
Preciso começar a estudar com afinco, agora, as filosofias...
Pe. Abib falou-nos cedo: “terninho” (no próximo ano deixaríamos de usar batina o dia todo e usaríamos terno), estudos. E à tarde não quis dar televisão: tomar ar! ...
Êta São Paulo: 3 x 2 contra a Portuguesa; contra o Corintians, quinta: 4 x 0; “show” de bola. Santos perdeu do Jaú: 1 x 0; Coríntians, do Taubaté: 2 x 1. Colocação: Santos 8; Palmeiras 10; Ferroviária 11; São Paulo 14; Coríntians (?) 20. (a colocação era por Pontos Perdidos, assim, o Santos estava em primeiro lugar).
Não houve Vésperas (= hora canônica, oração que devia ser rezada à tarde). Nem missa cantada. 













 
Comprei, pela Cooperativa: “Virilidade Cristã” e “Valor Divino do Humano”. (ou seja, também li livros de formação cristã)
Dia 9/XI/59
Aulas, novamente. Balas do Pe. Claudino; muito obrigado, seu padre.
Ontem, na convenção da UDN (= partido político, União Democrática Nacional), Jânio Quadros recebeu 205 votos para sua candidatura (à Presidência da República), contra 83 de Juraci Magalhães.
Testemunha de Acusação”, surpreendente filme, simplesmente espetacular. Ótimo para tempo de exames. Pesado para crianças. Na técnica, perfeito. Em branco e preto. Desempenho espetacular dos artistas: Marlene Dietrich, Tyrone Power, Georges Laughton (Ops! Charles Laughton), Elza Lanchester... Direção e roteiro de Billy Wilder.
Esse valeu por todos os do 2º semestre: Irmã Alegria, Joselito, Tempos Modernos e Desejos Ocultos. Somente o fim que é um pouco contra a ética. A justiça é enganada. Depois, no estudo, de que jeito estudar?!
Dia 10/XI/59
Ah! Daqui a 30 dias, vou te dizer... Aulas.
Parece que Jânio Quadros “abafou a banca” com seu discurso pois até o Mons. João considerou-o como literato. 50º aniversário de Menotti del Pichia (esse literato era muito ligado à música sertaneja, de raiz).
Acabei de ler “Ensaios Históricos”. Agora é a vez das poesias: “Alma Cabocla”, que poesias gostosas, 100º nacionais, interioranas! É admirável: “Chego ... que festa infinita ... etc.”
(foto de Paulo Setubal - esclarecendo: é a segunda vez que cito essa poesia. Por que ficou na minha memória. A razão é a seguinte: quando eu estava no 1º ano do ginásio, no Seminário de Sorocaba, o professor de português me mandou ler em voz alta essa poesia para toda a classe, pois eu tinha uma boa leitura. Segue a primeira estrofe: “Chego, que festa infinita, Todos me querem bem, Até a pobre da Nha Chica, com seu vestido de chita, corre a abraçar-me também”. Retrata a chegada de Paulo Setubal à fazenda de sua família, quando criança. Se alguém quiser ler algumas obras dele, de graça, acesse o link abaixo)

Dia 11/XI/59
Na meditação, acabei o “Silêncio com Deus”. Grande livro. Faz parte da oportuníssima e espetacular “Coleção Éfeso”. É a vida espiritual na sua simplicidade e profundidade. “Virtus in médio” (a virtude está no meio termo): nem exagero de humanismo, nem de espiritualismo.
Ah, seu Daólio! Nas horas vagas quase acabei com o livro “Noites das Ilhas”. É capaz que eu acabe hoje mesmo.
Enfim, ó aulas adeuzinho” “Viva a nossa escola, que a aula já acabou, a turma deste ano esgotada já ficou”, foi o que escreveram na lousa.
Falei com o Pe. Abib. Vários assuntos. Acha ele que sou um tanto fechado. Tem razão. Sou-o. Aproveitei falar do caso da Aeronáutica e do Aroldo. (não lembro do que se tratava). Em nada deu pois estava frio (não o tempo e, sim, o assunto) e sem preparação próxima. Falhou fogo.
Parece que vamos pôr o “terninho” uns 3 dias antes de irmos para casa. (até então usávamos batina diariamente e iria cair para o próximo ano) É melhor mesmo ir já treinado.
O Pe. Leucádio falou-nos – “cuíca” (= quiçá) pela última vez: horário de preparação, viagem, missa do 3° ano, silêncio nos estudos.
Dia 12/XI/59
1° dia de preparação.
Êta Paulo Setúbal, cada verso; por exemplo: “Em tudo quanto eu diviso, Há tal brilho, tal clarão, Como se, do paraíso, Deus acendesse um sorriso, em cada ervinha do chão” (“Vida Campônia”)
Dei uma tremenda joelhada no chão do campo de basquete. Está doendo muito. Houve jogo de basquete contra os sextanistas cariocas, que hoje aqui vieram. 6 x 6. Só o 1° tempo. Chuva...
Pedi para o “Bastião” comprar uns livros em São Paulo, na Loja Americana, mas ele não encontrou: xadrez e basquete.
Está chovendo todos os dias, agora.
Dia 13/XI/59
Preparação. Missa do Pe. José Maria Peres (Zequinha). Parece que o Pe. Mucciolo “est hic”. Tiramos umas fotos “cum illo”. (Reitor no Seminário de Sorocaba, atual Arcebispo Emérito de Botucatu)
(colocar foto?)
Abstive-me de esportes por causa do joelho que não anda lá muito bom. Em compensação aproveitei escrever à máquina os boletins e as cópias daquele jogo de fotografias (?).
Escrevi para a Gertrum Carneiro (Editora de livros de bolso) só que não pude enviar hoje. Só se pode sair em 5ª feira.
Pe. Jair, à noite, ficou bravo por causa da conversa durante a prática. Não serviu-me a carapuça.
Dia 14/XI/59
Mendonça levou a carta. De resto, tudo normal. Preparação. À tarde o 3° ganhou do 2° no basquete. Não sei de quanto. Uns 10 pontos de diferença.
Esqueci-me de dizer que comecei a ler “Valor Divino do Humano” (de Jesus Urteaga, Opus Dei, um daqueles livros ‘obrigatórios’ da época, tinha que ler...), ontem; espetacular, parece-me. Paulo Setubal já se foi, também. (= acabei de ler o livro dele)
Dia 15/XI/59
Joguei no gol para o Santos (uau!) . Perdemos de 2 x 0. O 1° não deu para ver a bola, um petardo. O 2° foi contra. Acabou o campeonato, mesmo sem haver os outros jogos. É melhor mesmo.
Estou lendo “O Outro Caminho”, de João Mohana. (outro livro ‘obrigatório’; esse autor era um médico que resolveu ser padre, foi para o seminário de Viamão, RS, e escreveu o livro quando ainda era seminarista) Muito bonito. Mostra como a vida do padre não é caminho de flores, mas de espinhos, com poucas consolações.
Resultados de hoje: São Paulo jogou bola-ao-cesto com o Comercial, em Ribeirão Preto: 4 x 4. Palmeiras ganhou da Ferroviária, em Araraquara: 3 x 0. Santos 4 x 0 com o Nacional. Corintians (“mirabili dictu”) (= coisa improvável de ocorrer) ganhou do Jabuca (Jabaquara) em Santos: 1 x 0. Portuguesa apanhou do Taubaté: 2 x 1.
Dia 16/XI/59
Nada de incomum. Houve 3° x 2° ano. O 3°, mesmo sem o Reinaldo, venceu por 3 x 0. Agora ainda vai jogar conosco.
Mesmo não muito bom arrisquei-me a jogar basquete. Piorei. Fui dormir depois do recreio do jantar.
À noite, saiu a bomba. Faur mostrou-me uma cartinha de D. Paulo (de Tarso Campos, Bispo de Campinas). Não vamos tirar a batina nas férias. “Faiô”. Ah, meus planos... Também, vou jogar xadrez as férias todas. Resolvi passar umas 2 semanas (pelo menos) no sítio. Vida de prego é tomar pancada e... o buraco.
Dia 17/XI/59
Ainda preparação. Fiquei na cama. Pe. Leocádio foi me “visitar”. Era febre. Levantei-me na hora do café mas não aguentei. Deitei na hora do 1° estudo. O “Dito Furado” (ele tinha um furinho na bochecha esquerda – tempos de politicamente incorreto) deu-me Sulfacilin para tomar. É aquela doença da perna (canela).
Dia 18/XI/59
Leocádio fez-me visita. Aconselhou-me a ir ao médico. Mas, de que jeito. Com esse estado? O “Dito” mandou-me para baixo após o café. Vou para o quarto do Reinaldo, que está com a perna engessada (era uma enfermaria provisória num dos quartos da ala dos padres).
À noite parece campo da Light (antiga concessionária de energia elétrica) aquele quarto. Vagalumes por toda parte.
São Paulo jogou com Juventus: 2 x 2. Marcou os 2 gols nos 3 últimos minutos de jogo.
Houve um jogo de vôlei, de estréia, no campo pintado na quadra de basquete, ontem.
Dia 19/XI/59
Rápidas melhoras. Vou fazer o exame de Crítica. Boa, Pe. Claudino. Deu aquela tese da Demonstração. Fui muito bem. Graças a Deus.
O Pe. Glauco, que prometeu mundos e fundos, “faiô”. Será, Pe. Abib?
Estudei Metafísica o resto do dia. Há muita gente estudando de noite. Eu, por enquanto, não preciso fazer isso. Já fui almoçar no refeitório...
Dia 20/XI/59
Metafísica! Nome terrífico. Um tanto mal preparado, mas fui. Saí-me bem. Creio que não fui um dos que tiraram 3, 4 e 4,5. Acho que uns 7 dá para tirar. Que argumento inventei para a prova do Fundamento Intrínseco ...! Vou te contá!
Melhorei bastante. À tarde fiz o conto: “O apito do trem”. (a casa de minha família, em Amparo, ficava parede-e-meia com a estação da Mogiana e, quando se ouvia 3 apitos seguidos era sinal de desastre na linha; por isso o nome do conto)
Dia 21/XI/59
Estou bom. Só não joguei por precauções. Não subi ainda.
Exame de Literatura. Era só entregar. Eu, porém, passei a limpo durante o tempo dedicado ao exame.
Dia 22/XI/59
Veio Romaria de Amparo. Ninguém de casa, nem da do “Onça” (Domingos Jorge Velho). Só o padre Alberti.
Joguei basquete. Por sinal saiu um jogo + ou -. Choveu um pouco, o que veio a estragar um pouco. Ganhamos de 21 x 20.
Vários jogos de campeonato. São Paulo 2 x Guarani 0 (Campinas); Santos 5 x Portuguesa 1. São Paulo está com 16 p.p., 4° lugar. (na época a classificação era por pontos perdidos)
Dia 23/XI/59
Dormi lá em cima, de novo. Exame de Introdução (à Filosofia): bem “chatinho”, hein! Acho que deu para se salvar.
Jogamos basquete com o 3°; perdemos de 30 x 14. Eles estavam com um rabo! Principalmente o Raul. E o juiz... Quase mataram o Júlio. Peguei a bola, certa feita, escapei livre e, quando fui pular para jogar... pum ... fui de costas para o chão ... Só que bati o cotovelo. Se não tivesse osso duro ...?!
Dia 24/XI/59
Preparação para os (exames) orais. Mas, como estudar? Nem peguei um livro de estudo. Entregaram as folhas de psico-patologia.
Houve jogo do 3° contra o resto, no campo do Aparecida (E.C.). Não fui nem assisti. Perdemos de 4 x 2.
Dia 25/XI/59
Chuva o dia inteiro. Que desânimo!... Estudei, com muito custo, mas estudei.
Dia 26/XI/59
Que bomba! Jânio retirou a candidatura. E por causa dos vices – Ferrari e Leandro. Uma das maiores bombas deste tempo. Mas creio que é golpe... “videbimus” (= veremos). (E foi golpe mesmo pois se candidatou e venceu a eleição em 1960)
Inda bem que a chuva parou um tempo e deu para sair um jogo de basquete: 42 x 32 para nós. A contagem mais alta até agora...
Palmeiras ontem ganhou do Coríntians: 3 x 0.
Dia Nacional de Ação de Graças: cantamos o Te Deum de Perozi. “Gratias tibi, Deo meo ...” (Agradeço a ti, meu Deus”
Dia 27/XI/59
Primeiro dia de exames orais: só do 3° ano. Na missa “pontifical”, cedo, o Pe. Celebrante, ao falar “Orate, Frates” só ouviu mesmo a resposta do que estava ajudando a missa. A comunidade...
Dia 28/XI/59
Exames do 1° ano. Crítica.
O São Paulo, por incrível que pareça, perdeu do “lanterninha”, Comercial, com o time completo (Mauro ...): 2 x 0.
Dia 29/XI/59
Assistimos o jogo inteiro: Palmeiras 5 x Santos 1. (nessa época o Palmeiras tinha um bom time e às vezes surpreendia o Santos que já contava com o Pelé) Custou, mas o Palmeiras jogou bem uma vez.
Dia 1/XII/59
Fiz meu primeiro exame: Crítica – “Fundamentum Universalis”. Saí-me bem. Introdução, antes das 3 horas. Não fui muito bem mas o trabalho científico salvou um pouco: 9.
Dia 2/XII/59
São Paulo x Nacional: 2 x 1. E olha lá!...
Dia 3/XII/59
Exame de Metafísica, às 9:15. Fui muito bem. These: I.
O Palmeiras faiô... 1 x 1 contra a Portuguesa.
Dia 4/XII/59
Alguns já estão de férias
Dia 5/XII/59
Precisamente às 9:15 entrei em férias ... mesmo teoricamente pois praticamente ...




O DIÁRIO SÓ FOI RETOMADO EM 10 DE FEVEREIRO DE 1960
2° ANO DE FILOSOFIA EM APARECIDA DO NORTE

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