domingo, 12 de agosto de 2012

DIÁRIO DO IPIRANGA - 1962/63


1º ANO DE TEOLOGIA – SÃO PAULO - 1962



Dia 22 de março de 1962
My Diary”, segundo dizia aquela famosa música do Neil Sedaka.
São Paulo 4+100+tão, terra da garoa!
Agora o negócio é sério, teologia, etc. Quando tiver tempo falarei com você, meu diário. Serão conversas informais, de amigo para amigo.
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Agora, quando estava fazendo minha leitura espiritual com Michel Quoist, (um dos livros mais badalados à época, orações em forma de poesia), veio-me à lembrança uma aula do Pe. Araújo. Falando-nos sobre liberdade e consagração a Deus, dizia: Se a gente solta um passarinho, não sente remorsos, pois, embora lhe neguemos então comida e água garantida, consolamo-nos por havê-lo posto a solto. Ninguém também haveria de lamentar a sorte do passarinho pelo fato de saber que o alcance de suas asas, por exemplo, não passa de um raio de 50 quilômetros; ninguém diria “Coitado, não pode voar 100 km”. Assim também acontece na consagração a Deus. Saímos da gaiola que nos permitiria umas tantas liberdades e entregamo-nos à liberdade plena... que diferença... “omnis comparatio claudicat unius pedis”. (= Toda comparação manca de uma perna”)
 Estamos prestes a assistir ”Balada do Soldado”. Já assistimos a “Rififi”.
Passei o dia um tanto chateado. Não assisti missa nem comunguei, não estudei, embora tenha feito outras atividades necessárias, não saí a passeio – encerei o quarto – enfim, fiquei meio na baixa!
Dia 30 de março de 1962
Eis aí! Os dispersos crônico ... Realizar é saber concentrar-se. Muitas vezes a gente reclama de falta de tempo. Creio que é falta de decisão. Nestes dias tenho me observado.
Recomecei este trabalho de C.C. (Cineclube e Cineforum). Mas quanto tempo perdi e em quantos sonhos me perdi! Caramba! Não sei, cheguei, às vezes, a abrir todos os livros e cadernos... e ficar olhando para algum ponto que não existia, ou pegava um assunto qualquer... quando acordava uns 20 minutos já tinham ido! ...
É o Dalle Carnegie (autor de um grande Best-seller à época de onde copiei – mesmo – alguns desenhos que aparecem na publicação sobre Cineclube): Fechar em compartimentos hermeticamente fechados, ou, se quiser, “age quod agis”. (= faça bem feito o que estiver fazendo) É dedicar-se profundamente. Não ficar indeciso. Começar logo. Fazer algo. Uma coisa de cada vez. “Quem tudo quer... “
Pe. Vasconcelos é o fino. Gostei muito daquele disco. Pensei em presenteá-lo à Mamãe. Vamos ver. Devo me lembrar que sou estudante, etc.
O basquete hoje saiu formidável! Deo Gratias. Bye, bye!
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Dia 4 de outubro de 1962
Eco ao longo dos meus passos”. Meus passos terão eco? Ou eu sou um sujeito frustrado. Às vezes, o caos me ameaça.
Gozado: crise interna, crise nas minhas relações (no catecismo), crise no Brasil, crise no mundo. Acho que esse descontentamento e sinal de que “só na outra vida é que conseguiremos a felicidade!” Crise e problemas sucessivos. (uau!)
Eu, particularmente: o que progredi? 1° ano de Teologia! Nem o problema da pontualidade no levantar eu consegui. Desse jeito não vai. A espiritualidade tem que partir de alguns pontos concretos. O meu ponto de honra por agora vai ser o levantar, tá?! Pequeno, mas...
E a crise no catecismo? Nossas relações, cortadas. Júlio renunciou. Faur também. E eu? Puxa vida, é preciso fé mesmo aqui no seminário. Será que depois de 10 anos de seminário (ou 14 para o Vicente e o outro) não se aprendeu a fugir de intrigas? ... Peço resistência e ajuda do Senhor. Que coisa! Por que fizeram isso?
E eu, que farei nessas circunstâncias? Renunciar? Continuar sozinho? Interessante que foi nessa ocasião que estava lendo em “O Silêncio de Deus” a parte de Bernanos em que a paixão aparece na vida do homem. O “Padre da Aldeia” (preciso ler o livro) foi um fracasso atrás de fracasso. Entre sua paixão e morte fez bem aos outros. Sta. Terezinha... que atualidade dessa santa ... e agora vem essa paixão e morte do nosso catecismo! Se aqui no seminário acontece isto devo ficar prevenido para o que der e vier mais tarde. Não sei ainda o que fazer. Compromete tudo: o 1° ano, o grupo da diocese (de Campinas), etc. etc. Mons. Ulhoa tinha razão de sobra ontem quando falou sobre a catolicidade no seminário... não se fechar em grupos e igrejinhas. O nosso trabalho foi tomado como fracasso e julgado por gente incompetente. Fazei com que meu ódio diminua Senhor!
E a crise brasileira! Da Igreja e do Estado! As eleições estão aí. Tão dizendo que o JB vai ganhar. (José Bonifácio Coutinho Nogueira, candidato a Governador de São Paulo; perdeu para Ademar de Barros). O plebiscito será em janeiro... e a Igreja? Bem, o Concílio está aí e ... (plebiscito – fomos convidados e escolher entre Parlamentarismo – votar sim e Presidencialismo – votar não; foi realizado no dia 6 de janeiro de 1963, no dia da ordenação do Pe. Nadai; fomos à ordenação e votamos em Americana; podia-se votar em qualquer lugar; o governo, de João Goulart, fez propaganda para a votação “não”, que ganhou estourado; desde a renúncia de Jânio o Brasil tinha experimentado o Parlamentarismo sem grande sucesso e o Jango forçou o plebiscito e derrubou o Parlamentarismo)
Bem, hoje é dia de retiro e é sobre o Concílio. Acho que não tem o que pensar. O jeito é rezar e abrir a vontade para aceitar as deliberações. “Veni Creator Spiritus” (Venha, Espírito Criador)
Chove; o dia está horroroso.
Nota bene: fui ler a 1ª página do meu diário e encontrei referência ao caso do Chasseraux, em Aparecida, com o Júlio... ele já aparecia na 1ª página. Senhor! (que encrenca seria essa?)
Pe. Charbel falou do aspecto: sacerdote – vítima, que o sacerdote deve possuir. (hum!) Todo o cristão também, mas o sacerdote sobretudo. Enfim, é Charles Moeller secundado. Ler fim do livro “O Silêncio de Deus”. É tudo. (agora que lembrei; esse livro faz parte de uma pequena coleção muito bacana escrita por esse padre, ou seja, esse citado, 2° é “A Fé em Jesus Cristo” e 3 ° é “A Esperança Cristã”; esse escritor escolhe alguns autores da atualidade – por exemplo, Graham Greene – e faz uma análise do autor do ponto de vista do título do livro; tenho os 3 livros até hoje)
Dia 6 de outubro de 1962
Vésperas das eleições. Não sei ainda em quem votar ou se “não votar”. Creio que o JB ganha.
Preciso escrever para casa; fica para amanhã. Inclusive pedir dinheiro. Como é chata a nossa situação... nessa base não vai. É um martírio todas as vezes de pedir dinheiro. Que fazer. É o jeito.
Graham Green é grande. (O livro) “Poder e Glória” me fascina!
O trabalho de sociologia vai esperar um pouco até eu falar ao Barizon. Cine-clube ...


Dia 10 de outubro de 1962
Não confessei mesmo. É a crise? Vou mudar de confessor! Que solução!... E a tonsura. Vou pedir ou não.
Viram só. O “promessão” vem aí. Ademar (de Barros) é a solução. O “ratão” está ganhando e creio que vai se manter na posição onde está. E o JB é o 3°... é o máximo. Seria reação contra o “janismo”. Provável. Jânio perdeu muitos votos até na Vila Maria. Diz-se que fez discurso bêbado, completamente... Pe. Saba diz que Jânio é assunto encerrado. Videbimus!... (= “veremos” - meu momento profético... Jânio voltou à Prefeitura de São Paulo anos depois). Prouvera a Deus assim fosse.
E o Concílio está às portas. Rezemos. O mais, não adianta falar. O Espírito vai baixar mesmo. Esperemos.
Aliás, por falar em Concílio, escrevi para casa. Daqui a uns tantos dias escreverei de novo a fim de ... etecétera. Vamos fazer algo ....
Essas 3 balas em cima da mesa – as últimas da presente provisão – representam o desespero grahamgreeniano. É a tábua da salvação... (!) Analogia “proporcionalitatis impropriíssima” (= analogia muito imprópria – brincadeira com expressões dos livros que estudávamos)
Dia 21 de outubro de 1962
Realmente foi a primeira vez (que me lembro). Essas coisas parecem que são vistas de outra maneira quando se leva em consideração uns tantos pontos. No (exame) de Liturgia, por exemplo, não deu tempo de ler o resumo (doença!), e as folhas de D. Vagagini (ou D. Bernardo...) (?) são muito confusas. Acabei colando mesmo! O de Hebraico fiz seriamente.
O Concílio aí está! 5 bispos brasileiros nas comissões: D. Agnelo (Rossi, cardeal de S. Paulo), D. Eugênio (Sales), D. Vicente Scherer, D. Delboux e um prelado apostólico; os italianos são agora em minoria nessas comissões. A que o E. Santo (?!) tem que recorrer! Deus respeita a liberdade humana ... e sabe as consequências de tal ato.
A doença me pôs em alerta. Fiquei trancafiado todos esses dias. Esse São Paulo (frio em outubro!) não deixa doente sair de casa. Estou melhor agora, embora a dor de cabeça parece que ainda não resolveu me abandonar.
E com isto um pouco da vontade de escrever se foi. Mas preciso retomar o trabalho de Cine-clube e Cineforum, etc.
O “snooker” chegou e a turminha dos viciados logo vai se definir. Bateu o sinal para Vésperas...


2º ANO DE TEOLOGIA – SÃO PAULO - 1963



Dia 11 de outubro de 1963
Viu! Quase um ano após. Vamos ver se o negócio pega mesmo. Acabou a aula do Pe. Araújo, que enforquei – ameaça de dor de barriga e outras coisas por fazer, inclusive escrever aqui.
Preciso descer para o almoço. Depois assistirei ao filme dos anõezinhos.
Ontem fiz um retiro bastante mixuruca. Não aproveitei quase nada. Um pouco pelo que me abate: a “Equipe de Vida”, que de vida até agora nada houve. Fiquei chateado na última reunião. Pois tal fulano Urbano (quem seria?) (até mesmo rima...) achou que a Equipe de Dirigentes passou por cima, etc. Mas, santo Deus, coloca-se princípios e se não os cumpre. Confia-se na Equipe de Dirigentes e se não confia. Então eu me reuni, 3 horas, num domingo à tarde, para impor minha idéia, me reuni com os outros do 2° ano para empurrá-los a aceitar o 2° ponto? Depois, se aquele grande grupo de descontentes tivesse desanimado os dirigentes... mas parece que não aconteceu. Parece que só platonicamente havia tal grande grupo.
Por isso existe muita mediocridade no seminário. Aceitamos tudo pela metade. Nós e os superiores. Eles colocam outros princípios dos quais temem as conseqüências. Nós também queremos certas coisas (a equipe) e não queremos. Isto (eu) conversava com o Alfredo (um colega de Sorocaba), na quarta-feira à noite. Será que existem mesmo os tais que não querem nada com nada (Absolute dicto ...) (= absolutamente falando)? (Se a memória não me falha, o Alfredo foi um dos que tomaram a frente para escrever uma carta à Comissão de Bispos com sugestões de mudanças no seminário, carta esta da qual participei e foi a causa principal da minha expulsão. Acharam que fui um dos articuladores da carta, e, na verdade, não fui. Ajudei na redação final).
Mas a minha crise interna (crise?) ainda continua. Preguiça, principalmente. Fr. Zacarias, nosso Diretor Espiritual, acha que devo cortar pela raiz e confessar agora toda semana. Não consegui ainda. É a famosa preguiça, aliada a certa falta de oração, que podemos chamar de tibieza...
Não, o retiro de ontem não pegou nada mesmo. Quem sabe algo da palestra do Roxo. E olha lá!
Estou cansadíssimo de um jogo de basquete que, aliás, está quase impraticável. Poeira + calor = cansaço. Estou entregue. Assim mesmo traduzi algumas coisas para o Zé Ernani (fiz a tradução do francês de um “guia prático” com dicas de atendimento no confessionário; traduzi e faturei uma graninha). Será que estou mesmo precisando de algum descanso? Como?
Dia 14 de outubro de 1963
O pessoal gostou muito daquele filme dos anões de Roterburg (?). Muito bem feito, mesmo. Colorido e “décor” espetaculares. Os meninos trabalham bem. (um colega, alemão da gema, conseguia esses filmes no Consulado Alemão e a gente passava de dia numa sala que era fácil de escurecer, junto ao campo de futebol)
Ontem à noite também passamos o “Cinema Lumière”, (devia ser um filme do consulado da França, talvez) explicado por mim. Os que estavam gostaram. Etc.
O dia 12 passou com cerimônias, disputa escolástica: comunhão, forma da Igreja. O interessante é que no dia anterior havia sido Festa da MATERNIDADE DIVINA DE N. SENHORA... e sem comemoração alguma. Ninguèm se lembrou. Bárbaro! Onde está a teologia mariana? Quiçá seja esta a maior festa da Virgem, quase que a maior honra da Virgem, o mistério central da Mariologia. Vamos ver se o Concílio propõe algo de novo sobre mariologia.
Por falar em Concílio, a missa em língua vernácula foi aprovada mesmo. Como? Não sei. Parece que cada Conferência Nacional vai fazer o “como”... sobre as Conferências Nacionais, o famoso Dom Sigaud está com medo que a mesma lhe venha tirar a autoridade ... mas o fato é que estão estudando bem a autoridade a dar às Conferências Nacionais. (D. Sigaud e D. Mayer eram bispos intimamente ligados ao movimento tradicionalista T.F.P. – Tradição, Família e Propriedade; esse movimento até possuía Fazenda em Amparo e, segundo alguns, havia até treinamento militar nesse local)
Estou ruim para escrever, especialmente agora, durante a aula do Pe. Charbel.
Dia 15 de outubro de 1963
Aula do Scritzky. É o máximo. Ele é poliglota. Fala 2 línguas ao mesmo tempo.
Ontem houve mais uma das famosas “Equipes de Vida”. No começo do estudo da tarde fizemos uma reunião, Faur, Costa, Geraldo e Eu. Desânimo geral em meio a desânimo. As equipes estão por um fio. Nós estamos numa confusão geral. Não sabemos o que ainda subsiste. Falamos de um montão de assuntos. A gente não sabe nem para onde vai. É a idade Moloch. (deus dos fenícios e cananeus). Não sei nem o que escrever aqui pois está tudo “per modum confusioris conceptus” (frase utilizada às vezes para dizer que a coisa estava mesmo confusa; tradução: “na forma de um conceito confuso”) Na equipe, à noite, a turma achou também que assim não vai. Se não vai... então propus à turma estudar o problema e apresentar alguma solução: livre, com quem quiser, etc. Vamos ver como é que vai ficar.
Dia 18 de outubro de 1963
Ontem não escrevi. Não houve aula!
Fui até a Cinedistri (distribuidora de filmes). O seu Antonio disse para mandar uma carta, que depois podíamos escolher uma data... para ver “O Pagador de Promessas”. Quase tudo pifou! O Lísias – rapaz ultra legal – arrumou para nós. Fui falar com o Simas (Mons. Simas, Reitor do Seminário) e ele não gostou da história. Por causa das más notícias que correm sobre o (Seminário) Central. Calúnicas, é claro. (Parece que a última [calúnia !?] conhecida veio por intermédio do Sinibaldi x Bonnuommo) (mau homem?). Mons. Ulhoa também foi da mesma opinião. Eu achei que têm alguma razão. De fato, esse clero é de morte. Imagine só o seminário assistindo a um filme anticlerical. Seria o cúmulo – diria o beatério e boatério. Mas, fica para a próxima vez. Quem sabe no mês que vem!... os chefes da Cinedistri estão com muito boa vontade. Vamos ver o que vai dar. Fazemos votos que...
Depois fui à S. Bento (Mosteiro de São Bento). Queria confessar. Foi a 3ª vez que lá fui, sem me confessar. Porém, consegui fazer algum exame de consciência, o que não o tinha nas vezes anteriores. Gozado como naquele exato momento não tive mais ânimo, nem de continuar o exame de consciência. Desde tal momento! Puxa, e não adiantou mesmo fazer mais esforço pois não deu mesmo. E saí da Igreja. Vamos ver 4ª feira que vem, ou 3ª feira pois 4ª vai haver Hora Santa na (Igreja de) Sta. Efigênia.
Padre Araújo falou, com razão, que precisamos conhecer mais a psicologia feminina. Precisamos dar algum jeito. Ler obras novas. Não sei. Pensar bem.
Dia 2 de outubro de 1963
Aula de DC (Direito Canônico). Perda de tempo legal mas indeliberada. É uma pena.
Temos um azar tremendo! Quando se deixa ir no cinema, ou o filme é abacaxi (“José do Egito”), ou o preço é salgado: $500,00. Muito obrigado! Só mesmo se for “na lábia”.
Por causa dos exames do seminário e 1° ano, tivemos sábado e segunda sem aulas. Muito bom. Estudei para o Bacharelado (“Baccalaurea”). É só o livro do Roxo: “De Verbo Incarnato”, Teologia do Cristo.
Houve eleição domingo. Claro que a maioria votou no Meirelles (candidato a deputado, autor de um livro famoso à época sobre “Reforma Agrária”). É bom sujeito. Os resultados são poucos e não dá para perceber quem vai ganhar, quem não. O PDC (Partido Democrático Cristão era o partido do conhecido deputado Franco Montoro) estava ontem em 5° lugar. Ainda acho que a má campanha do JB para governador prejudicou sensivelmente o PDC.
Por falar em PDC, Paulo de Tarso renunciou. Por que, caramba! Porque ele não “agüentou a mão”? Estava fazendo muita coisa boa. Se os cristãos esmorecem – também essa bendita nação! ... – então não reclamem se o Jango coloca gente comunista. Foi, para mim, uma pequena falta de firmeza do Paulo. (acho que esse Paulo de Tarso Santos a que me referia é o mesmo que tem se candidatado pelo PSOL a alguns cargos públicos)
Gozado! Ontem, na reunião de equipe, Cardozo falou da Academia. Realmente, a gente encara um cargo na Academia como se fosse um peso. Com certa razão, às vezes. Desconfiança dos colegas, falta de apoio dos superiores. Comparei também com a minha situação de Coordenador da Equipe. É um peso. Um “cano”. Vamos ver como é que sairá a famosa eleição da Academia. Não sei qual a futura minha atitude no caso de ser eleito para os 6 mais ou mesmo para os 3 mais. O chato é que os outros votáveis estão também com cargos, etc. Estou em situação difícil. Tenho certa tendência a brigar com os superiores para certas coisas...
Dia 26 de outubro de 1963
Aula do Pe. Araújo.
Ontem fizemos reunião de Campinas. É desejo de todos - ? – pelo menos parece, pois ninguém está contra mesmo, que haja um encontro, contacto, com os (seminaristas) menores e os filósofos (de Campinas). Sempre achei isso bárbaro. Gosto desses tipos de encontros, matar saudades, etc. Não sei se por causa da minha dificuldade normal de conversar com os que estão junto comigo! Não sei. Pode ser uma influência de minha psique. Mas que é coisa boa, é. Isso sim.
Dia 28 de outubro de 1963
Ainda ressoa em mim o que Mons. Ulhoa falou de mim na reunião de Apostolado. Não gostei de ficar espalhando por aí que o próprio bispo (claro, D. Miele quando Reitor [de Aparecida]...) falou que sou super-especializado em cinema. Afinal de contas, não sei o que Mons. quer que eu faça para sair dessa “super-especialização”! Vou conversar com ele. Estudar estou estudando, e como nunca. Estou fichando a matéria de Dogma. Claro, estudando com calma, sem afobação. Que eu sei cinema demais é bobagem. Tenho somente 3 livros sobre a matéria, não tenho lido nenhum integralmente. Pode ser que no ano passado, quando ainda escrevia o “Cine-clubismo e Cine-forum” estivesse muito ocupado com cinema. Mas era por causa do dito cujo. Agora não. Não sei o que quer que eu faça. Procuro me atualizar quanto aos modos de apostolado, Ação Católica, MFC (Movimento Familiar Cristão), Legião (de Maria – acho), o que queira. Só que não estudei melhor por falta de chance. Não venha me dizer ele que não faço apostolado algum nas férias, semanas litúrgicas... claro, faço outras coisas ... Além do mais não exerci nunca apostolado propriamente cinematográfico ... É chato ficar falando essas coisas por aí. Vou falar com ele...
O Pe. Charbel está falando da Liturgia Sacrifical do AT. Diz que: “se o sacerdote pecar e fizer pecar todo o povo... oferecerá um novilho... “ Interessante! Mesmo no AT, do Deus Terrível, etc., havia perdão para os sacerdotes. Caramba, porque o Concílio não propugna o perdão dos padres apóstatas, caídos; estamos, ou não, no Testamento do Amor? Vamos esperar.
Eu ia escrever que estou estudando e com calma, a Teologia de Cristo para o “bacalhau” (bacharelado). Só agora é que estou assimilando melhor o Tratado da Redenção. Achava muito confuso. E não é tanto assim, embora seja um tanto. Falta estilo pedagógico, é muito repetido.
Dia 30 de outubro de 1963
Já fizemos o “bacalhau”. Fui bem. Não sei a nota. Respondi sobre o modo de participação dos mistérios na Redenção. Vamos ver. Agora, férias! Sou “Bacharel”. Bárbaro.
Estamos na aula do Chivinsky. Teria tanta coisa a escrever, dois assuntos interessantíssimos e drásticos. Prefiro me calar, por enquanto.
Dia 5 de novembro de 1963
Estou em ultra baixa. Mais violentamente, estou com o saco cheio.
Consegui um 10 nos exames de “bacalhau” e consegui não ser eleito para a Academia. Foi o que me alegrou nestes dias ruins. Também o sucesso com que realizamos o “Gabinete do Dr. Caligari” (consegui trazer e passar esse filme famoso, mudo, para os colegas)
Depois, tudo é kaos (uáu?!)
Dois eram os assuntos que eu escrevia acima. Um é o aviso do Mons. Ulhoa para as equipes, e o outro, qual era naquele dia? Por que o assunto mais palpitante só estourou naquele dia à noite. Qual seria? Ah, sim. Escrevi na quarta-feira. Então já estava em andamento.
Começou o início do bolo (= confusão) no aviso de Mons. Ulhoa. Queria ele que os dirigentes falassem às equipes sobre umas tantas coisas. Mais uma vez desafiou as equipes: “Vocês não se comprometeram a melhorar a comunidade?”, etc. etc. Veio falando de uma tal palestra do Sr. Cardeal para os seminaristas de Aparecida. Alguns quiseram retrucar aos desafios de Mons., mas ele não estava disposto a sentar conosco. Queria só nos despachar e aliviar a própria consciência. “Fichinha” (apelido de um colega que não sei identificar) cutucou: “Ajuda, aí”. Mas não ajudei. De nada ia adiantar. Ele não estava disposto mesmo. E assim acabou o aviso.
Viemos a saber dias depois que o Sr. Cardeal realmente falou coisas bravas lá na Filosofia. Falou 1 h e 15 minutos. Falou tudo, coisas básicas sobre o sacerdócio. Mas certas frases falou bravo. Inclusive que estamos todos no seminário por favor dele. Acho que não é verdade. As Dioceses nos pagam. E este seminário é Central. Não tenho culpa. O seminário é nosso. Em Aparecida chegaram a deixar a turma de São Paulo entrar e seguir somente “convidados” pelos outros. O diabo é se vierem com esse tal de compromisso, o que em nada vai mudar a crise, mas só aumentar.
Inclusive manjei, pelo que Mons. disse, que ele permaneceria o ano que vem, de qualquer jeito (sabemos que será como Reitor, mas isto vem adiante ...). Que suprema (in)felicidade!
Os dirigentes saíram dos avisos na mesma. No 2° ano, já não haveria reunião mesmo. Todo mundo viu o perigo do “assinado pelo Sr. Cardeal ...” E ninguém queria a Assembléia, que ele insistiu que se fizesse. “Admirabile dictu!” Já havia ele dito que não iria mais a Assembléias. Agora é nós que não queremos, por força das circunstâncias que estão absolutamente mais graves que antes. Nem há termo de comparação. É kaos mesmo. Mons. Ulhoa está absolutamente desacreditado pela turma. Mas isto vem mais adiante.
Dia 8 de novembro de 1963
Hoje é ontem, anteontem, etc. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça. É que o troço continua... é um nó só. Ontem queria escrever aqui. Mas não o fiz. Aliás, o retiro foi naquela base. Não assisti a palestra do Alberti, dormi desde 12,30 até as 15 hs. Também, estava com um dos ouvidos entupido. Depois o Dito me abriu o ouvido. O Scritsky acha que estou tomando nota. Ou pelo menos está fazendo piada.
 

Datilografado e anotado em 9 de agosto de 2012

Um comentário:

  1. Dois pontos comuns: Michel Quoist em Poemas para Rezar. Livro bom para tirar o que declamar no Gremio Literário.
    Graham Greene em O Poder e a Glória. Fascinante relato da vida de um padre perseguido pelos camisas vermelhas, no Mexico, com uma trama inglória mas cheia de bucolismo e suspense.
    Comprei e reli ambos os livros.
    Grego

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